O SABER DA ENFERMAGEM NA TEORIA E NA PRÁTICA DOCENTE
Estes dias em um
aula sobre história
da Enfermagem, uma aluna comentou sobre um determinado livro e eu
disse: “é muito bom, porém prefiro que estude em tal livro, pois traz essa
discussão do ponto de vista da Enfermagem.”
A aluna não
entendeu bem o que eu quis dizer e questionou: “mas se a discussão é a mesma
porque devo estudar em tal livro?”
Aí eu respondi: “por
que este livro foi escrito por médico”.
Ela ainda
insistiu: “e
qual o problema de ter sido escrito por médico?”
Respondi-lhe que
não havia nenhum problema. Que o livro era muito bom e seu autor pessoa da mais
alta capacidade, que se quisesse ler poderia sem nenhum problema, inclusive
recomendava, mas não na aula de história da Enfermagem, não numa disciplina que
trata de nossos passos na história, nosso saber, nossa forma de interpretar os
acontecimentos e sendo assim, desde que há literatura equivalente escrita pela Enfermagem,
deveríamos dar prioridade a esta. Pois o ponto de vista era diferente.
Há evidentemente
uma deficiência muito grande de literatura do ponto de vista da enfermagem, em
algumas áreas mais que outras. Nós pouco escrevemos ou quando escrevemos temos
dificuldade para editar. É muito comum estudar em livros escritos por médicos,
assim como era comum, nos tempos de Florence, ter professores médicos quase que
exclusivamente. Para não parecer que a questão se resume ou se explica pela simples disposição intelectual, o que não é, lembro o que disse Marx (1984, p. 30):
Uns serão os pensadores dessa classe (os ideólogos ativos, que refletem e tiram a sua substância principal da elaboração das ilusões que essa classe tem de si própria), e os outros têm uma atitude mais passiva e mais receptiva face a esses pensamentos e a essas ilusões, porque são, na realidade, os membros ativos da classe e dispõem de menos tempo para produzirem ilusões e idéias sobre as suas próprias pessoas.
Uns serão os pensadores dessa classe (os ideólogos ativos, que refletem e tiram a sua substância principal da elaboração das ilusões que essa classe tem de si própria), e os outros têm uma atitude mais passiva e mais receptiva face a esses pensamentos e a essas ilusões, porque são, na realidade, os membros ativos da classe e dispõem de menos tempo para produzirem ilusões e idéias sobre as suas próprias pessoas.
Sendo a Enfermagem pensada, ao menos desde a era moderno, para ser os executores do cuidado e sendo desprovida de seus meios de produção, que horas lhe sobra para pensar ideologicamente a categoria e a defessa de seu saber? Portanto não se trata de indisposição intelectual, mas de meios congretos para exercer seu saber.
Hoje nas escolas de Enfermagem o ensino se dá por profissionais de Enfermagem majoritariamente. Porém o mesmo não se pode dizer da literatura de base ou complementar. Uma situação difícil, pois é o livro a forma privilegiada de sistematizar o saber e repassar. Por outro lado há um grande numero e, cada dia maior, de professores que a única coisa que fizeram na vida foi estudar e pesquisar. Saem da graduação direto para o mestrado ou doutorado e em seguida para as salas de aula. Nenhuma vivencia profissional. Tudo que aprenderam foi na literatura, nos estágios, nas pesquisas, na extensão. Tudo controlado pela academia, que se não é desprovido de valor, também não é a realidade do mundo profissional. E mesmo assim, apensar de apenas vivenciar de fato a enfermagem teórica e acadêmica, pouco escrevem.Muito chegam a acreditar que não faz diferença qual é o título do livro ou o autor. E isso pode ser verdade, pois não basta mudar o livro e o nome do autor, é preciso mudar o modo de ver. E o modo de ver/entender/explicar da Enfermagem não é o modo da medicina. E aqui não vai nenhum juizo de valar. Não se trata de ser melhor ou pior, mas de ser diferente.
Muitos professores e estudantes não veem diferença neste fato justamente polo que diz Marx (1984, p.29):
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante.
Hoje nas escolas de Enfermagem o ensino se dá por profissionais de Enfermagem majoritariamente. Porém o mesmo não se pode dizer da literatura de base ou complementar. Uma situação difícil, pois é o livro a forma privilegiada de sistematizar o saber e repassar. Por outro lado há um grande numero e, cada dia maior, de professores que a única coisa que fizeram na vida foi estudar e pesquisar. Saem da graduação direto para o mestrado ou doutorado e em seguida para as salas de aula. Nenhuma vivencia profissional. Tudo que aprenderam foi na literatura, nos estágios, nas pesquisas, na extensão. Tudo controlado pela academia, que se não é desprovido de valor, também não é a realidade do mundo profissional. E mesmo assim, apensar de apenas vivenciar de fato a enfermagem teórica e acadêmica, pouco escrevem.Muito chegam a acreditar que não faz diferença qual é o título do livro ou o autor. E isso pode ser verdade, pois não basta mudar o livro e o nome do autor, é preciso mudar o modo de ver. E o modo de ver/entender/explicar da Enfermagem não é o modo da medicina. E aqui não vai nenhum juizo de valar. Não se trata de ser melhor ou pior, mas de ser diferente.
Muitos professores e estudantes não veem diferença neste fato justamente polo que diz Marx (1984, p.29):
Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência dominante espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante.
E desde o século XVIII, ao menos, as ideias dominantes na área de saúde, são as ideias da medicina, de tal modo que em muitos lugares ou na imprensa ou em publicações nem ao menos se fala em área de saúde, mas em área médica. Exmplo disso sãos os "prontuários médico, exames médico, posto médico, equipe médica." A enfermagem ou as outras profissões não aparecem e desta forma são áreas do fazer, não do saber. O saber é o médico e a enfermagem cabe apenas o fazer, na melhor tradição de divisão de tarefas: intelectual/braçal.
Estudar em livros escritos por médico quer dizer exatamente o que?
Essa deficiência se dá, em minha opinião, por dois motivos: a enfermagem pouco escreve e quando escreve não recebe o devido valor por seus pares. É o professor de enfermagem quem escolhe a literatura de seus cursos, mas por tradição ou por limitação do conhecimento, acabam repetindo o que leu em sua graduação. E muitas vezes isso não acontece apenas por limitação de literatura. A editora MANOLE, por exemplos tem editado sistematicamente obras escritas por enfermeiros e enfermeiras. Textos de qualidade escritos por profissionais reconhecidamente competentes e o melhor, que escreve especialmente para Enfermagem, do ponto de vista da Enfermagem. O que faz toda diferença. O reconhecimento de nosso valor e a valorização de nosso saber passa por isso. É fundamental que os enfermeiros e enfermeiras continuem escrevendo e que outros, continuem lendo e indicando essa leitura, inclusive em substituição a livros escritos por médicos.
Estudar em livros escritos por médico quer dizer exatamente o que?
Essa deficiência se dá, em minha opinião, por dois motivos: a enfermagem pouco escreve e quando escreve não recebe o devido valor por seus pares. É o professor de enfermagem quem escolhe a literatura de seus cursos, mas por tradição ou por limitação do conhecimento, acabam repetindo o que leu em sua graduação. E muitas vezes isso não acontece apenas por limitação de literatura. A editora MANOLE, por exemplos tem editado sistematicamente obras escritas por enfermeiros e enfermeiras. Textos de qualidade escritos por profissionais reconhecidamente competentes e o melhor, que escreve especialmente para Enfermagem, do ponto de vista da Enfermagem. O que faz toda diferença. O reconhecimento de nosso valor e a valorização de nosso saber passa por isso. É fundamental que os enfermeiros e enfermeiras continuem escrevendo e que outros, continuem lendo e indicando essa leitura, inclusive em substituição a livros escritos por médicos.
Em recente
atualização da literatura do curso de Enfermagem da Faculdade AGES, em que atuei
como um dos coordenadores, foi tomada como orientação básica, sempre que possível,
utilizar literatura atualizada escrita por profissionais de enfermagem, ou
seja, substituir títulos escritos por médicos por títulos escritos por
enfermeiras.
Essa orientação contrasta
com uma situação que vive ao submeter-me as provas de mestrado em uma
universidade baiana. O mestrado era em enfermagem, mas a literatura indicada,
inclusive sobre cuidado, nossa arte e nossa função essencial, era escrita por
médicos.
Que sentido tem isso?
Será que não existe
autores suficientes em Enfermagem para discutir esse assunto? Ou será que as
coordenadoras deste departamento não sabiam destas literaturas escritas por
enfermeiras? Ou pode ser ainda mais complicado: será que essas coordenadoras
não conseguem ver o desserviço prestado a prestados ao saber da enfermagem?
Como fica a
cabeça de enfermeiros formados estudando majoritariamente em literatura médica
e não de enfermagem? Será que medicina e enfermagem dizem respeita aos mesmos
saberes e fazeres? Não há diferença de pontos de vista que sejam relevante e
sutis que podem ser evidenciados quando a autora da obra é enfermeira?
Exatamente hoje,
em um seminário sobre políticas de saúde, realizado para estudantes de
Enfermagem, uma aluna levantou-se para questionar a forma como o médico
trabalha, como negligencia algumas coisas, do ponto de vista dela.
Pedi que se
limitasse a criticar a enfermagem, sobre como a enfermagem deveria fazer ou
deixar de fazer, pois discutir o trabalho da medicina não é papel da
enfermagem. Enquanto ficamos discutindo a medicina perdemos a oportunidade de
discutir a Enfermagem, que é o que realmente nos importa.
Na discussão
sobre modelos assistenciais, ainda no mesmo seminário, outro aluno queria
discutir o que fazer quando chega à unidade um paciente vomitando, enfartando e
sentido dor.
Então
questionei: e por que discutir essa situação?
Ai respondeu que
isso poderia acontecer.
É fato que pode
acontecer, mas será que esse é o melhor exemplo? Será a Enfermagem uma
profissão, assim como parece ser a medicina, votada para atender apenas os
estados de doença ou será que deveríamos nos preocupar mais com os estados de
normalidade e trabalhar para mantê-los o maior tempo possível?
Não será essa insistência
do estudante em pensar prioritariamente na doença, com prejuízo ao sujeito como
um todo, fruto, também, da literatura inapropriada em que estão estudando?
Será que mudar a
literatura, mostrando que existem outras formas de abordar essa situação não apenas
e majoritariamente do ponto de vista médico e biomédico, não seria uma
estratégia importante?
Do ponto de
vista prática isso já vem acontecendo. Agora é necessário que se reflita na
literatura, por isso, companheira e companheiro Enfermeira e enfermeiro,
sobretudo os docentes, procure substituir paulatinamente a literatura utilizada
em seus cursos. E, faça um esforça extra de escreva.
1. Marx K, Engels F. A Ideologia Alemã. São Paulo: HUCITEC; 1984.
1. Marx K, Engels F. A Ideologia Alemã. São Paulo: HUCITEC; 1984.
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