A PORTA - PORQUE DECIDI FAZER O CURSO DE ENFERMAGEM
Na minha frente
uma paciente de 26 anos. Ela está nua deitada de bruços na cama. Da virilha até
a perna esquerda uma ferida aberta em carne viva. São 45 dias de internação no
Hospital Cajuru em Curitiba, Paraná. Ela está deprimida, não tem muita
esperança de ficar boa e voltar para casa. Estou ficando preocupado. Já são 15
dias cuidando dela, mas não vejo nenhuma melhora da ferida e do quadro geral.
Quem sou eu?
Meu nome é
Ernande Valentin do Prado, eu sou Auxiliar de Enfermagem recém-formado. Estamos
em março do ano 2000. São 11:30 de um dia qualquer da semana e a Enfermeira do
setor me chama na sala dela. Quer saber por que minha demora no quarto 22. Digo
que a paciente precisa de maior atenção, pois está ficando deprimida, estou
preocupado com o desanimo dela, digo. Ainda acrescento que meus outros pacientes
estão bem e todos já foram atendidos, que apenas ela inspira maiores
preocupações no momento.
Você não pode
fazer isso, diz a Enfermeira. A chefe. Isso o que, pergunto confuso.
Dar atenção
especial para uma determinada paciente.
E por que não,
pergunto de forma agressiva.
Por que temos
que dar tempo igual aos pacientes. Responde calmamente a Chefe.
Quem disse isso?
Fico mais agressivo. E acrescento: nem todas as pessoas são iguais, por isso
não podem ser tratadas da mesma forma. Elas não têm necessidades iguais, não
podem ser tratadas de forma igual. Pessoas desiguais, com necessidades
desiguais precisam ser tratadas de forma desigual para ser igual.
Você pensa
assim, disse a Enfermeira, ainda muito calma.
Penso, respondo
ainda mais irritado com a calma dela.
Então vá fazer o
curso de Enfermagem e aí vai poder tomas suas próprias decisões. Enquanto isso
quem decide sou eu e deve dar o mesmo tempo para todos os pacientes.
Então tá,
respondo calmamente e saio da sala.
Três meses
depois eu estava matriculado no curso de Enfermagem da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná – PUCPR para os íntimos. Mas antes me matriculei em um
cursinho pré-vestibular muito barato que ficava em uma zona de prostituição no
Centro de Curitiba. Matriculei e frequentei quase três semanas, não de forma
contínua, mas juro que tentei ir às aulas. Alguns professores eram muito
engraçados e me distraia com eles, embora não conseguisse decorar nada do que
eles me pediam. Outros só me revoltavam, como o de História.
A primeira vez
que ele me irritou foi quando em uma aula sobre a segunda guerra mundial disse
que Hitler era um Zé Mané fracassado na vida que endoidou, pirou o cabeção e
fez uma guerra. Achei aquilo um desrespeito à humanidade. Como pode um Zé Mané
ter praticado tanto mau, ter espalhado o terror e convencido uma nação inteira
que matar Negros, Comunistas, Homossexuais e Judeus não era crime. Mas aguentei
firme. Pensei – não preciso acreditar no que o professor fala, só responder a
prova do vestibular.
Porém quando em
uma aula sobre o comunismo o mesmo professor disse que Karl Marx era um sujeito
que explorava o sogro para se manter financeiramente eu decidi que não
frequentaria mais o cursinho. Inclusive pedi meu dinheiro de volta e tive muito
trabalho para conseguir. Mesmo desconfiado que assim não conseguisse passar no
vestibular, lá fui eu. Fiz três dias de provas.
No dia da
divulgação do resultado estou de plantão à noite. Agora já estou trabalhando no
turno da noite, consegui essa transferência para poder estudar.
As 19h30min
estou na farmácia, que funcionava no subsolo. A funcionária da farmácia está
nervosa. Mexe sem parar no computador e não me atende. Estou ficando nervoso e
pergunto o que tá acontecendo. Outras pessoas já formam fila. Ela diz que os
filhos fizeram o vestibular e que quer ver o resultado na internet. Fico
curioso e pergunto, tem internet aí. Ela diz tem. E eles fizeram vestibular
para que?
Enfermagem,
responde a funcionária. Eu também fiz, digo. Será que pode ver se meu nome está
aí?
Ela olha meu
crachá. Olha para tela e em alguns segundo diz. Passou.
Tá falando
sério?
Tô. Seu nome não
é Ernande Valentin do Prado?
É. Respondo.
Passou, vai estudar com minha filha.
Posso entrar aí
e ver na tela, pergunto.
Assim você quer
demais. Sabe que não pode entrar na farmácia. Mas levanta-se e abre a porta e
eu entro e meu nome está na lista.
Passei. Vou
estudar Enfermagem. E sei que isso vai custar caro. São quatro anos de economia.
Quatro anos sem dinheiro. Quatro anos trabalhado de noite e estudando de dia.
Mas tem a bolsa de estudo para funcionários, penso aliviado. Só tenho que pagar
25%, mas mesmo assim não vai ser fácil. Mas em compensação vou poder organizar
o trabalho como acredito que deve ser.
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