AS PROVAS E AS CITAÇÕES

Pode-se dizer que até os anos 50 do século XX a Enfermagem ainda não constituía efetivamente uma ciência, pois ainda não havia desenvolvido nenhuma teoria. De lá (anos 50) para cá (2009 do século XXI) muita coisa mudou, muita água passou por baixo da ponte. Nos anos 80 do século passado novos acontecimentos mudaram a Enfermagem de novo.

Já se vai um longo caminho no tempo entre a Enfermagem de Florence e a que temos hoje. Mudaram as praticas, mudaram os pensamentos, mudaram as posturas.

Lembrei- me de falar sobre isso por conta da correção da avaliação dos alunos de 1°e 3° período do curso de Enfermagem. Por mais que explique os motivos, muitos ainda revoltam-se com a exigência acadêmica de se realizar citações e referências em seus textos.

Numa visão particular entendo as citações como uma forma de confirmar, validar e generalizar o pensamento para além dos domínios particulares. Utilizar citações promove um dialogo entre o que se sabe por vivenciar ou ouvir falar e a mensagem que se quer passar e as teorias, pensamentos, pesquisas, abordagens dos que vieram e fizeram antes. Porém as citações devem ajudar a dizer o que se pretendo e não substituir o que se quer e precisa dizer. A mensagem é e deve ser do autor e não das citações, no caso o autor que se usa como referência.

As leituras servem para aprimorar o pensamento, refletir as experiências e vivências. O que se vive, as experiências, os conhecimentos prévios são sempre importantes, mas não devem ser a única fonte para subsidiar a construção do saber pessoal. Paulo Freire, em a pedagogia da Autonomia, diz que o conhecimento prévio deve ser respeitado, porém superado, reconstruído. “a superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrario, continua a ser curiosidade, se criticiza.” (FREIRE, 2006. p.31)

Digo tudo isso porque na minha graduação também me revoltava com a exigência de citações e referências. Pensava que minha “opinião” era ou deveria ser o suficiente para que “minha verdade” fosse aceita. Ninguém me explicou que a verdade continuaria sendo minha, que a citação do pensamento de outra pessoa me engrandeceria ao invés de me diminuir, pois estaria reconhecendo o que outros pensaram antes de mim. Citar os autores com os quais concordo é um sinal de inteligência e humildade, coisa necessária a qualquer acadêmico, qualquer um que pretenda um trabalho intelectual.

Hoje tenho muito orgulho de poder escrever e citar Paulo Freire, Eymar Vasconcelos, Eduardo Stotz, Victor Valla, Julio Wong Un, Waldenez de Barros, Maria Cecília Minayo e tantos outros intelectuais comprometidos com a transformação do mundo.

Li muitos textos esta semana, pois as provas na Faculdade são textos. Alguns muito bons em forma e conteúdo. Outros nem tanto. Alguns com mais de 10 citações. A maioria com ao menos 3 referências diferentes. Porém alguns poucos alunos ainda insistem em não utilizar nenhuma referência. Querem impor a sua opinião como se nada tivessem que aprender na academia. Em alguns casos a “opinião” já vem “modificada” pela vivência acadêmica, mas na maioria não. Continua sendo opinião acrítica.

Alguns estudantes ainda não se deram conta que a enfermagem mudou, que é uma arte sim, mas que também é uma ciência e precisa ser tratada como tal. Infelizmente alguns ainda pensam que para ser enfermeiro qualquer um serve, que basta boa vontade e amor ao próximo. Outros imaginam que saber a prática, fazer procedimentos, curativos, aplicar injeção, fazer banho no leito, dar medicação e, pior ainda, saber dar ordem, basta. Faz muito tempo que ser enfermeiro mudou e saber só isso não basta. Ser tarefeiro não é aceitável na Enfermagem de hoje.

Apesar dessa postura em defesa da Enfermagem enquanto ciência, não deixo de valorizar o saber e as práticas populares. Tanto que certa vez um aluno criticou-me dizendo que ensinava muito achismo, isso por conta de defender a prática de parteiras, benzedeiras, rezadeiras, padres, pastores e pai e mãe de santos.

Defendo-me dizendo que todos os saberes são importantes, que não há um que seja mais digno que outro. E isso, só para constar, nem fui eu que pensei sozinho, é de Paulo Freire e que orgulho tenho de citar esse Mestre.


REFERENCIAS:


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 34 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

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