HISTÓRIA DA ENFERMAGEM - APONTAMENTOS

A história da Enfermagem, segundo Geovanini (2002), começa com a própria existência da humanidade. Segundo ela enfermagem é cuidado. Mas foi com Florence, no século XIX que se tornou profissão. Mas de fato a profissionalização, no mostra Foucault, começa mesmo com o surgimento do hospital terapêutico. A enfermagem que  surge com a reordenação do hospital não é mais a enfermagem puramente vocacional de períodos anteriores. A medicina pensou uma enfermagem que servisse aos seus propósitos e ao mesmo tempo tivesse a devoção das religiosas.
Florence pensou a enfermagem como possuidora de conhecimentos, mas a serviço da medicina. Complementando a missão dos médicos.
A partir dos anos de 1950 começaram as discussões em torno das teorias de enfermagem buscando firmar a profissão como ciência.
Mesmo assim a questão da autonomia sempre foi problemática. O fazer e mesmo o saber da enfermagem sempre ficou subordinado ao saber médico e desvencilhar-se disto ainda é uma questão complicada, mas fundamental para o avanço da profissão. Andrade (2007, p. 98) diz que: “a assistência de enfermagem é baseada no conhecimento científico e não somente um cuidado generalizado sem embasamento como no início de nossa profissão, sendo que esta seria uma das principais características responsáveis pela submissão da enfermagem à medicina, pois nossos cuidados eram subsidiados pelo pensamento médico.”
Embora em passos curtos, a enfermagem tem avançado ao longo dos anos. A aceleração destes avanços começaram na década de 1980 com a criação  do Sistema Único de saúde – SUS. E seguiram cada vez mais rápido e estruturado com a criação do PSF na década de 1990.
Maria de Fátima Santos de Araújo, em texto intitulada: O enfermeiro no Programa de Saúde da Família: prática profissional e construção da identidade, diz que o Programa Saúde da Família possibilitou a redefinição do conceito de saúde e da prática profissional do enfermeiro. E que a partir disto contribuiu muito para reelaboração da identidade profissional. Ainda ressalta que o PSF [proporciona] ao profissional de enfermagem, ao menos teoricamente, organizar seu trabalho de forma a ser protagonista do processo de trabalho. Que vai desde o planejamento das ações [coletivas] até a assistência. Coisa que não ocorre em outras instituições, onde o enfermeiro não goza de autonomia, e nem tem uma posição definida. O que não lhe propicia reconhecimento social.
Leopardi (1998) diz que é fundamental mudar o modelo assistencial de saúde. Sem essa mudança tudo que se fizer para valorizar a Enfermagem ou qualquer outra profissão, que não seja a medicina, não vai surtir efeitos estruturais. Leopardi (1998, p, 13) diz:

A simplicidade do trabalho da enfermagem, por exemplo, está posta pelo próprio conceito de saúde, restrito a visão mecânica do corpo e ao modo clínico de tratá-lo. Considerando que a  parcela intelectual prescritiva, nesta abordagem, pertence ao médico, torna-se conseqüência que as tarefas consagradas como execução da prescrição se amoldam a um padrão rotineiro e automatizado. Se, porém, como se tem posto na Enfermagem, o conceito se ampliar, modifica-se o significado e complexifica-se a própria natureza dessa profissão. Tal processo, no entanto, dependerá da mudança conceitual no interior da sociedade como um todo, para o que profissões voltadas para um sentido de qualidade de vida, possam contribuir, dispondo-se a certos enfrentamentos sociais, anunciando suas posições de modo mais enfático e denunciando os diversos tipos iatrogenias, sejam elas mecânicas, químicas, psíquicas ou morais.

Santos (2007) ressalta que depois da criação do SUS a Enfermagem passou a ocupar cargos antes só ocupados por médicos, como por exemplo, a gestão de centros de saúde. Além disso, passou a ocupar cargo de chefia em diversas instituições e instancia pública e privada. Cargos de secretarias de saúde, coordenação de atenção básica, vigilância sanitária e epidemiológica. Se apenas com a criação do SUS, como frisa Santos, foi possível conseguir essas mudanças, então é de supor que a mudança efetiva do modelo assistencial, como diz Leopardi, pode impulsionar mudanças no seio da sociedade e trazer o reconhecimento social que a profissão merece e almeja desde sempre.
Mas para que essa situação se consolide ainda há um longo caminho a percorrer. É preciso que o profissional cada vez mais se perceba como capaz de reconhecer e atender as demanda da população sem depender do saber e do fazer médico como ancora.
É verdade que a criação do PSF trouxe ao enfermeiro considerável autonomia para atender situações tais como: Hipertensão, Diabetes, Hanseníase, Tuberculose, pré-natal, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, imunização, exames preventivo de câncer de mama e colo de útero e muitas outas coisas. Também é verdade que nem todos os enfermeiros assumem essa condição. Seja por falta de conhecimentos necessários, seja por falta de confiança em seu trabalho, tanto por parte de si mesmo quanto da comunidade. O enfermeiro evita executar todo o processo, ou seja, prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento, acompanhamento e promoção de saúde sem a supervisão do médico e/ou acompanhamento médico.
Por outro lado a enfermagem esta atrelada há tanto tempo ao saber e ao fazer médico, que acabou assimilando seu modo de perceber e fazer. O que equivale dizer que assumiu o modelo biomédico. Neste modelo não há espaço para saúde, mas apenas para doença e para o próprio médico. Esse fazer é calcado em exames e medicações.
Outro aspecto relevante diz respeito à demanda por profissionais de saúde. Tradicionalmente o profissional médico, pela própria condição financeira e de classe, não quer trabalhar no interior ou na periferia. Quando aceita é comum não cumprir o horário estabelecido e os dias da semana. E essa conduta antiética e francamente injusta e desonesta com a população é repetida pela Enfermagem, especialmente na região nordeste a Bahia e centro sul de Sergipe, que é a base de observação de onde este texto esta sendo escrito.
É muito comum ouvir o enfermeiro dizer que quando o médico não vai trabalhar a população não procura o serviço. O que não deixa de ser verdade. Mas será que o Enfermeiro está criando as condições para que a população perceba que ele pode atender e solucionar problemas sem a presença do médico? Será que se isso acontecer a população não vai começar a procurar o serviço de saúde independentemente da presença ou não do médico?
Essa condição só não é possível quando apenas se vislumbra o modelo biomédico como única forma de atendimento. Neste modelo não há como o enfermeiro construir sua identidade, nem para si mesmo nem para população.
Pode se estimar que mais de 80% da demanda por cuidados em APS poderiam ser atendidos e solucionados sem a presença do médico ou com presença mínima. Mas isso não é realidade porque o modelo, apesar dos investimentos em contrário, ainda é predominantemente médico centrado. É muito mais uma questão ideológica do que propriamente técnica. Acredita-se que o serviço não pode ser realizado sem a presença do profissional médico. Mas será que já se fez um levantamento das demandas que não necessitam da intervenção medica para serem resolvidas?
A portaria 648/2006 leva a crer que o trabalho em APS é 80% promoção de saúde e prevenção de doenças. O médico não é fundamental em nenhuma destas situações. Se pensar nos protocolos assistência e em outras demandas e condutas que ainda não se aplica no cotidiano, pode-se concluir que a maioria das demandas no serviço de saúde poderia perfeitamente ser resolvida sem a presença de médicos. Bastando apenas que rever a forma de trabalhar, valorizando condutas, cuidados e tecnologias apropriadas. E, sobretudo, valorizando o trabalho e o saber da enfermagem e de outras profissões que não a médica.
Portanto a construção e consolidação da identidade profissional do Enfermeiro, especialmente em PSF, passa pela implantação e consolidação de novos modelos assistenciais onde a única conduta não seja exames e medicações. Passa necessariamente pela defesa intransigente do SUS enquanto fomentador estas mudanças.

REFERENCIAS

ARAÚJO,  M.  F.  S.  O enfermeiro no Programa de Saúde da Família: prática profissional e construção da identidade. Conceitos. 2004.  
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 648 de março de 2006. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-648.htm> Acesso em: 26  jun. 2008.
GEOVANINI, Telma. In: GEOVANINI, Telma; MOREIRA, Almerinda; SCHOELLER, Soraia Dornelles; MACHADO, Wiliam C. A. História da Enfermagem – versões e interpretações. Rio de Janeiro: Revinter, 2002.
FOUCAULT, Michel. O nascimento do hospital. In: FOUCAULT,  Michel. Microfísica do poder. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
LEOPARDI, Maria Tereza. Introdução. (5-18) in: LEOPARDI, Maria Tereza. (org.) Processo de trabalho em saúde: organização e subjetividade. Pelotas: Editora Universitária/UFPel, 1998. 64p.
ANDRADE, Andréia de Carvalho. A enfermagem não é mais uma profissão submissa. Revista Brasileira de Enfermagem, Florianópolis, v. 60, n. 16, p. 96-98, jan-fev. 2007.

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