DESPREZO PELA INFORMAÇÃO EPIDEMIOLOGICA

Relatório do Ministéro da saúde aponta que as doenças transmissíveis e parasitárias são a sétima causa de mortes no Brasil. 
Um estudo mais recente do MS diz: 

Em três regiões do país - Norte, Centro-Oeste e Nordeste - as causas externas, relacionadas à violência em geral, são a segunda maior causa de óbitos. No Sudeste e no Sul, as causas externas ocupam o terceiro lugar. Os acidentes de trânsito envolvendo as motocicletas saltaram de 300 óbitos em 1990 para quase 7 mil em 2006. São a principal causa de atendimentos de vítimas de acidentes de transporte nas urgências brasileiras
- Hoje adquire-se uma moto com muita facilidade. Além disso, há uma precarização do trabalho e o desemprego, que criaram profissões como os motoboys - observa Marta Silva, da Coordenação de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Estas informações estão disponíveis para todos que têm acesso internet e deveriam ser utilizadas no cotidiano. Mas infelizmente muitos profissionais continuam trabalhando como se os problemas prevalentes de doenças no Brasil ainda fossem às doenças parasitárias e infecciosas.
Estes dias estava na sala de coordenação pedagógica e ouvi o diálogo entre o coordenador e uma estudante de enfermagem. Ela dizia que era um absurdo só ter 40 horas de parasitologia e 80 horas de filosofia. Pois parasitologia, segundo ela, iria precisar muito, mas filosofia não ajudaria em quase nada. Para concluir ainda disse que Sociologia e antropologia deveriam ser retiradas da grade, pois também não contribuem parar forma uma boa enfermeira.
Pode-se se considerar compreensível ouvir isto de uma estudante, afinal de conta esta em processo de formação e ainda não se deu conta da complexidade do conceito de saúde. No entanto essa opinião sem embasamento teórico e sem base na realidade é motivada, em boa parte, pela percepção sobre o que é ou deve ser o trabalho dos profissionais de Saúde, em especial da Enfermagem. E do processo de trabalho do serviço de atenção básica da região.
Essa percepção, para grande parte dos profissionais, parece ter parado no tempo e ainda estar nos anos de 1950.
Entre 2009-2 e 2011-1, na disciplina Seminário Integrado Processo Saúde Doença cuidado na Política e Serviços de Saúde, todos os estudantes realizaram pesquisas na região (cada um em sua cidade). Os principais objetivos desta pesquisa eram:
1.     Observar o funcionamento do serviço de saúde na região;
2.    Aproximar o estudante da realidade de saúde de sua cidade;
3.    Levar o estudante a perceber a importância da informação para o desenvolvimento do trabalho e em saúde;
4.    Contribuir para percepção crítica do estudante a respeito do serviço de saúde e da forma de trabalho dos profissionais.
Os estudantes da Faculdade AGES moram em diversas cidade do centro sul de Sergipe e nordeste da Bahia. Alguns vêm de mais longe, como Alagoas. De um modo geral sempre havia estudantes de Paripiranga, Simão Dias, Lagarto, Poço Verde, Fática, Adustina, Queimados, Itabaiana, Canudos, Aracaju e outras. A pesquisa dividia-se em 2 partes:
1      Informações sobre o serviço
1.1          Serviço hospitalar;
1.2         Serviço de atenção Básica;
1.3         Forma de trabalho:
1.3.1     Informações sobre carga horaria da equipe;
1.3.2    Salários dos servidores;
1.3.3    Implantação dos programas – Saúde da mulher, Saúde da criança, Imunização, Hipertensão e Diabetes e outros;
2     Informações sobre saúde
2.1         Saneamento
2.1.2             Agua encanada;
2.1.3             Esgoto tratado;
2.1.4             Saneamento;
2.2     Acesso à escola;
2.3     Conselho de saúde.
De um modo geral as informações oriundas dos municípios, em todos os semestres, eram incompletas ao extremo.
Os estudantes eram estimulados a fazer a pesquisa o mais próximo de casa possível. Nas Unidades Básicas, Hospital e na Secretaria de Saúde.
Não havia muita variação. Em quase todas as cidades pesquisadas as informações não existiam, eram incompletas, sem coerência ou não estavam disponíveis. A situação era a mesma na secretaria de saúde, nos hospitais e nas unidades de saúde.
É mais fácil acreditar que as pesquisas foram mal feitas, pois realizadas por estudantes de primeiro período. E realmente devem ter existido interpretações equivocada e mesmo estudantes falsificando os dados. Mas a pesquisa era individual e os locais se repetiam semestre após semestre com resultados semelhantes. É difícil acreditar que mais de duzentos estudantes tenham colhidos informações erradas ou insensatas.
Mais difícil inda é acreditar que em quase todas as unidades de saúde as enfermeiras não sabiam dizer coisas simples, tais como:
1      Quantidade de pessoas com hipertensão e diabetes;
2     Quantidade de crianças com baixo e sobrepeso;
3     Quantidade de crianças com vacina atrasada;
4     Quantidade de crianças fora da escola;
5     Principais morbimortalidade da cidade ou da unidade;
Enfim, não dispunham de nenhuma informação, por mais básicas que fossem.
Não sei como é que se pode trabalhar sem informações tão elementares. Como se prevê a compra de medicações para hipertensão sem saber quantos hipertensos têm a cidade? Ou quanto usam medicações que tipo de medicação. Será que não é isso que explica o fato de algumas medicações faltar e outras estragar?
Mesmo um dono de bar deve pesquisar o gosto de seus fregueses. Imagina se um botequeiro iria abrir um bar para vender ovo com salsicha no Morumbi ou se um dono de restaurante iria abrir uma casa especializada em caviar no Capão Redondo. Ambos perderiam suas mercadorias e iriam a falência.
Esta é uma comparação quase ridícula, mas é assim que acontece na saúde. Esse desprezo pelas informações epidemiológicas da região explica o porquê o serviço de saúde, seja hospitalar ou de atenção básica, é de tão baixa qualidade.
De um modo geral os profissionais de saúde estão desperdiçando o potencial do serviço e deles mesmos. Investem-se em salários, em prédios, equipamentos e insumos. Em anos de formação e aí trabalha-se como se nada soubessem, como se nada tivessem estudado e aprendido. Tudo que aprendem  na faculdade é desfeito quando entram para o mundo do trabalho. Quando o que se espera é que a realidade do trabalho mude com a formação.
A desculpa para essa situação é quase sempre a mesma: profissionais culpam os gestores e gestores os profissionais. Não  querem ver que ambos são culpados e que o prejudicado é o cidadão que paga o salario deles. Nem ao menos se sentem culpados por ignorância e descasos tão gritantes.  
Na maioria das vezes ainda são capazes de culpar o cidadão. Uma atitude que Helman (2008) chama de culpar a vítima.
Tudo que conseguem oferecer são exames e medicações. Não importa a queixa do sujeito. Enquadra-se em um diagnóstico previsto no manual, por mais ridículo que seja, e medica-se.  
A estudante que se queixava de ter que estudar Antropologia, Filosofia e Sociologia ainda não se deu conta das demandas enfrentadas pelo serviço de saúde na atualidade. Nem ela e nem os profissionais, pelo visto.
Faz muito tempo que as doenças parasitárias deixaram de ser a principal preocupação da população. E mesmo estas doenças hoje são vista com outros olhos que não o medicalizante. Essas doenças são verdadeiramente resolvidas com cidadania e não exatamente com medicações (PRADO, SANTOS, CUBAS, 2009). Mas será que os profissionais ou os estudantes se dão conta que o serviço de saúde é um forte determinante para o desenvolvimento de cidadania?
A julgar pelo que se observa e se percebe na forma de trabalhar, os profissionais da região ainda não se deram conta disto.
Todas as semanas ouvem-se noticias de que mais um ser humano morreu de acidente de moto. Semana passada eu mesmo vi na rodovia um cavalo morto e uma mota arrebentada no asfalto. Falei com o motorista:
”mais um cidadão morreu.” E  ele respondeu:
“desta vez foram dois ao mesmo tempo. Um indo e outro voltando”.
Quem roda por estas estradas já deve ter visto muitos animais soltos prontos a causar acidentes. E também muito motoristas imprudentes dirigindo como se “fossem tirar o pai da forca.” Nas cidades também é comum ver adolescentes e até crianças dirigindo. Pais carregando crianças no banco da frente dos carros e até no colo.
Os motoristas de taxi, a maioria deles, só usam cintos de segurança na passagem pela fiscalização. Não conseguem ver benefício no uso do cinto.
Outros carregam mais passageiros do que o carro conseguiria com segurança ou os carros estão em péssimas condições de conservação. Ai, na região de Simão Dias, não passa em frente a Polícia Rodoviária Federal. Desviam e passam em frente a Polícia Militar de Sergipe. Como se a PM não tivesse nada com isso e que apenas a PRF competisse coibir este ato ilegal que coloca a vida das pessoas em risco.
Isto tudo é muito comum e pode ser observado a qualquer hora.
Será que os profissionais de saúde percebem que estas atitudes e situações, para além da ilegalidade são problemas de saúde pública?
Será que os gestores da saúde na região percebem que isto é um problema grave e diz respeito ao serviço de saúde?
Por que será que não se percebe com a mesma facilidade alguma movimentação no sentido de divulgar, alertar, prevenir situações como esta?
O que as faculdades e universidades devem ensinar aos estudantes de saúde para que percebam que animais soltos nas estradas, motoristas sem preparo, falto de sinto de segurança, carros sem condições de trafegas pelas rodovias (como muitos ônibus e vans que fazer transportes na região) são assuntos que dizem respeito a saúde?
Estes são grandes e graves problemas de saúde na região em todo Brasil. Representam mais dor, sofrimento e despesas do que as doenças parasitárias e infeccionas.
Então fica a questão:  
Será que é aumentar a carga horaria de parasitologia, anatomia, fisiologia e farmacologia ou abolindo o estudo da Filosofia, Sociologia e Antropologia e que se vai levar estudantes e profissionais a perceber essa situação?
Qual saber, enquanto instrumento, é mais eficiente nestas situações?

Advertência:
Este texto parte de observações e percepções empíricas ao longo do tempo e de comportamentos observáveis. Não é um estudo sistematizado, portanto mais passível de erro do que um artigo, por exemplo. 
Vale a pena dar uma olhada neste outro texto, PENSANDO O MODELO ASSISTENCIAL DA REGIÃO NORTE DA BAHIA E CENTRO SUL DE SERGIPE. Trata de assunto pertinte sobre o serviço de saúde na região.

Referência 
Helman, Cecil G. Cultura, Saúde e Doença. 4 ed. São Paulo: Artmed, 2003. 
PRADO, Ernande Valentin; SILVA, Adilson Alves;CUBAS; Márcia Regina. Educação em saúdeutilizando rádio como estratégia. Curitiba, CRV: 2009. 
Uma análise da mortalidade no Brasil e Regiões. Disponível em: < http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=24421> Acessado em: 13 ago. 2011. 
Doenças crônicas e violência são as principais causas de morte no país, diz pesquisa. Acessado em: 13 ago. 2011.

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