AVALIAÇÃO 70% - TURMA C

ENUNCIADO PROVA SI: PSD – TURMA C

Um conhecido vereador ocupou a tribuna da câmara para chamar atenção dos colegas e da população quantos as péssimas condições dos serviços de saúde do município. Segundo ele as equipes de PSF – Programa de Saúde da Família estão espalhadas pela cidade e isso dificulta o controle da Secretaria sobre o que os servidores estão fazendo. Além do mais, disse ele, a população não gosta de participar de atividades de prevenção e poucas pessoas participam das reuniões realizadas pelas equipes. Disse ainda que as equipes são caras e não resolvem os problemas de saúde da população. Além disso, segundo ele, o dinheiro gasto com elas poderia ser mais bem usado contratando mais médicos para o hospital, comprando um novo aparelho de rádio x, ecógrafo e até um tomógrafo, abastecendo melhor a farmácia com medicações, e aumentando o número de leitos para internações. Segundo o vereador, com um hospital no centro da cidade, bem equipado e com médicos especialistas, exames e medicações à vontade a saúde da população vai melhorar muito.

Você leu o pronunciamento do vereador em um jornal e teve a idéia de escrever uma carta para esse mesmo jornal fazendo algumas considerações. Nesta carta deve concordar ou discordar do vereador em partes ou no todo. Sua argumentação deve ser mediada pelos conhecimentos adquiridos em aulas e nos textos e filmes, sobre os determinantes sociais do processo saúde/doença, a luta pela Reforma Sanitária Brasileira e os princípios do SUS . Não se esqueça de contribuir com o vereador e com a população sugerindo formas de organização que possam melhorar a prestação de serviços e a saúde da população.

PROCESSO SAÚDE/DOENÇA E ORGANIZAÇÃO DO SUS
Ernande Valentin do Prado

Na semana passada este jornal publicou o pronunciamento do vereador Atrazildo Maria Vaicomasoutras. O vereador fez críticas ao serviço de Atenção Básica da cidade, porém as soluções propostas pelo vereador são as mais anacrônicas possíveis. O vereador demonstra ter uma visão centrada no modelo bimédico. Fato que se confirma ao defender a existência de um hospital no centro da cidade, bem equipado e com médico especialistas como forma de garantir a saúde da população. Modelo este que já vem sendo condenado desde o século XIX. Foucault (1989, p. 202) diz: [...] “os próprios hospitais, cujo enquadramento médico é na maior parte do tempo insuficiente, e que avivam ou complicam as doenças dos pacientes, quando não difundem no exterior os germes patológicos.” Portanto, desde muitos anos sabe-se que o hospital não é nem mesmo um local de saúde, mas um templo da doença.

Senhores leitores: tenho acompanhado a questão da saúde desde muito tempo e gostaria de chamar atenção de todos vocês quanto ao pronunciamento do vereador, pois falas como a dele dão a entender sempre a mesma mensagem, ou seja, que o SUS não é bom e deve ser substituído. Essa mensagem é rotineira nos meios de comunicação: jornais, revistas, rádio, TV e internet. Embora não negue que o SUS tenha muitos problemas, esta não é toda verdade.

O vereador fez as seguintes críticas:
• O PSF está espalhado pela cidade e isso dificulta o controle dos servidores pela Secretaria de Saúde;
• A população não gosta de participar de atividades Educativas;
• As equipes são caras e não dão resultados;
• Com o dinheiro gasto no PSF daria para pagar médicos especialistas para o hospital;

E concluiu dizendo que: “com um hospital no centro da cidade, bem equipado e com médicos especialistas, exames e medicações à vontade a saúde da população vai melhorar muito.”

Minha intenção é responder uma por uma. Então vamos lá:
O PSF está espalhado pela cidade e isso dificulta o controle dos servidores pela Secretaria de Saúde. O vereador não deve saber, mas as equipe de PSF e mesmo as USF – Unidades de Saúde da Família estar espalhadas pela cidade se deve a uma decisão política e técnica. Essa decisão é resultado direto do princípio de descentralização do SUS. O artigo 198 da Constituição Federal, que diz que os serviços de saúde devem ser organizados obedecendo a “descentralização, com direção única em cada esfera de governo.” Ainda diz que deve ser dada prioridade ao “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. Por isso, senhor vereador e caros leitores, as equipes do PSF devem mesmo estar pela cidade oferecendo seus serviços para quem dele precisa. Na verdade as equipes ainda deslocam-se pouco dentro de seus territórios. Deveriam andar bem mais e espalhar-se bem mais. Ir em escolas, associações de moradores, creches e outros lugares onde não vão normalmente.

A portaria 648/2006 coloca que a Atenção Básica tem a função de reorientar o modelo assistencial do SUS. E Paim (2008) diz que para que a ESF e a Atenção Básica seja realmente capaz de reorientar o SUS, precisa ser entendida não como “coisa” básica, simples ou elementar, mas como primordial, essencial, fundamental. E esse entendimento, antes de ser da população, precisar ser dos profissionais, dos gestores e formadores de opinião, ou seja, o nobre vereador precisar conhecer mais sobre a história da saúde pública, pois assim poderá ser um defensor do SUS.

A Lei Orgânica da Saúde, 8.080/90, em seu artigo 7º relaciona, entre outros, os seguintes princípios: universalidade, integralidade, participação da comunidade; descentralização, regionalização e hierarquização. Apesar de não constar na lei ainda há o princípio da Equidade, que tem sido levado em conta em diversas publicações e orientações do Ministério da Saúde.

O importante é saber que para conseguir implantar verdadeiramente a universalidade é preciso regionalizar à atenção a saúde, seja através da descentralização, seja através da hierarquização. E as Equipes de PSF, ao contrario do que o vereador diz, não está sem controle, mas sim cumprindo com os princípios do SUS.

O vereador ainda diz que a “população não gosta de participar de atividades Educativas.” Será que isto é verdade ou a população não pode participar? É difícil imaginar que uma pessoa saudável vá faltar ao trabalho para participar de uma atividade educativa. Será que não é hora de pensar as equipes de PSF trabalhando fora do horário comercial, como por exemplo nos fins de semana ou durante a noite? Ainda há que questionar se estas equipes estão trabalhando dentro do que se espera delas. Vasconcelos (1999) acredita que pouca coisa mudou no modelo de consulta nas unidades de saúde, que ainda atuam centradas num modelo de consulta adaptado dos consultórios particulares e segundo ele, isto não é o mais adequado, o que acaba por diminuir a eficácia do atendimento e desmotivando a população.

Se a questão é conseguir atrair a população para trabalhos educativos é fundamental compreender as questões culturais. Segundo Helman (2003) não é possível falar em cultura, mas em culturas e cita que existem as culturas profissionais, ou seja, a cultura da Enfermagem, do Médico, do Psicólogo e outros. Essas culturas não são melhores ou piores que a cultura da população, mas diferentes. Entender essas diferenças é importante para haver diálogo entre elas. Portanto, se a situação do serviço de saúde é difícil, se as equipes não estão dando o resultado esperado é preciso, antes de culpar o modelo de serviço, questionar se estão cumprindo com o que diz as normas e diretrizes. Os servidores estão conscientes de suas funções? Estão recebendo salários justos e em dia? Estão recebendo orientações da secretaria de saúde? Têm o perfil adequado para o serviço?

Dirimir estas dúvidas é fundamental, pois se não fica parecendo que a opinião do vereador tem alguma chance de estar certa.

Acabar com o PSF e em seu lugar colocar um hospital não tem como dar certo e isso é muito fácil dizer porque já foi feito e os resultado não foram nada bons.

O filme A historio das políticas públicas no Brasil mostra que nos anos de 1960, especialmente no final da década, o governo incentivou a criação de hospitais modernos, calcado na tecnologia e nas especialidades como forma de melhorar a situação de saúde da população. Inclusive, segundo o filme, a maioria dos grandes hospitais privado do Brasil foram construído com dinheiro público e uma vez equipado e em funcionamento se descredenciaram do estado. Esse modelo, além de corrupto era ineficiente não só conseguiu piorar a situação de saúde da população, que já não era boa. Foi contra essa situação que o Movimento de Reforma Sanitária se construiu.

Segundo os participantes da oitava conferencia Nacional de Saúde, citados por Prado, Santos e Cubas (2009), saúde é o resultado das condições de vida do sujeito, ou seja, condições de moradia, educação, cultura, lazer, alimentação, transporte, acesso aos serviços de saúde e outras. Os problemas de saúde da população brasileira precisam ser analisados com base neste conceito e a partir daí pensar as intervenções necessárias para trabalhar a saúde da população. E é toda essa história que o vereador nega com sua fala.

O vereador diz que uma equipe de PSF custa caro, mas será que isso é verdade? Viana et Al. (2009) afirma que a adoção da ESF aumentou o total de receita per capita dos municípios, tanto de impostos quanto de transferências constitucionais. Isso quer dizer que ao contrario de tirar dinheiro da cidade o PSF traz dinheiro para os municípios. Tudo que se investir na saúde hoje, seja dinheiro, seja tempo, vai gerar retorno em dobro em um futuro muito próximo. Mas é preciso deixar claro também que investir em saúde não é só e necessariamente investir em contratação de profissionais, organização de postos de saúde, hospitais, compra de medicações ou ambulância. Isso faz parte em certa medida, mas investir em saúde é investir na cidadania plena do sujeito e isso não se consegue concentrando gasto no hospital. Prado, Santos, Cubas (2009) dizem que investir em saúde é investir na construção de Cidadania.

Além disso, senhor vereador, saúde depende de moradia digna, emprego e renda, alimentação, educação, cultura e lazer e o PSF e o SUS não tem como garantir todos estes determinantes a população. Isso depende do desenvolvimento geral do município, do estado e do País.

Minayo (1997) entende que a população mais pobre já tem uma compreensão mais ampla do que seja saúde e de quais sejam as razões de seus males. Segundo ela, nas camadas populares as pessoas não restringem as explicações sobre saúde e doenças as causas biológicas. Por isso é fácil ouvir queixas tais como: infelicidade, solidão ou mau olhado, ou seja, a população já utiliza todo o conceito ampliado de saúde para explicar sua condição. Também por essa compreensão tão bem descrita por Minayo, é que um hospital, por melhor que seja não tem como conseguir resolver todos os problemas da população, como o vereador quer nos fazer crer.

Por isso, ao invés de acabar com os PSF o melhor seria aumentar seu número. O dia que cada bairro e povoado da cidade tiver um PSF, com uma equipe multiprofissional, consciente e capacitada para as funções descritas na portaria 648/2006, ficará mais fácil garantir a universalidade que fala o SUS. Com a universalidade será mais fácil garantir a Integralidade, pois os problemas de saúde vão diminuir. Vai haver atenção e prevenção constante. Santos e Andrade (2008) dizem que nenhuma cidade de forma isolada tem como garantir todas as necessidades de saúde de seus habitantes e que por isso devem se organizar em redes assistenciais, formas está prevista pela constituição federal e pelas normas do SUS. Isto é certo, mas a organização da rede municipal tem condições de melhorar muito a situação dos serviços de saúde do município.

Outra forma de melhorar a situação dos serviços de saúde da cidade é investir em moradias dignas para toda população e para contribuir com isso pode se observar o princípio da Equidade. Qual é o bairro ou povoado que tem maior número de moradores em situação de risco? Pois é por esse local que se precisa começar a instalar novas equipe de saúde e investir em moradias, em lazer, em geração de renda. O SUS sozinho não tem como fazer isso, mas juntos, Secretaria de Educação, Meio Ambiente, Serviço Social e outros, podem trabalhar juntos e conseguir.

Por fim, senhores leitores, quero concordar com o nobre vereador quando diz que é preciso ter um hospital maior, com mais leito e equipamentos. Isso é necessário em qualquer lugar, não para resolver os problemas de saúde, pois não resolve, mas para atender a população quando ela necessitar. Mas isso não pode ser feito de qualquer jeito. Será que a cidade precisa mesmo de um tomógrafo? Será que não é melhor um aparelho de mamografia? Não se deve comprar equipamentos para os hospitais pela propaganda ou pelo que se imagina que ele serve, mas avaliar verdadeiramente sua necessidade e o impacto que ele pode gerar ou não na situação de saúde da população.

REFERENCIAS

BRASIL, Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL, LEI FEDERAL N. 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. SUS é legal – Rio Grande Do Sul. Legislação Federal e Estadual. Out.2000, p.22.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 648 de março de 2006. Disponível em: Acesso em: 26 jun. 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. A história das políticas públicas no Brasil. Brasília: Vídeo, 2006.
FOUCAULT, Michel. A política de saúde no século XVIII. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 8. Ed. Rio de Janeiro: GRAAL, 1989. Cap. VIII, p. 193-207.
MINAYO, Maria C. S. Saúde e doença como expressão cultural. In: AMÂNCIO FILHO, Antenor; MOREIRA, Maria C. G. B. (Org.). Saúde, Trabalho e Formação Profissional. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997. 138p.
PRADO, Ernande Valentin; SILVA, Adilson Alvez; CUBAS; Marcia Regina. Educação em saúde utilizando rádio como estratégia. Curitiba, CRV: 2009.
Helman, Cecil G. Cultura, Saúde e Doença. 4 ed. São Paulo: Artmed, 2003.
PAIM, Jairnilson Silva. O que é o SUS. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009.
SANTOS, Lenir; ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro. A organização do SUS sob o ponto de vista constitucional: rede regionalizada e hierarquizada de serviços de saúde. In: SILVA, Silvio Fernandes. (org.) Redes de atenção à saúde no SUS. Campinas – SP: IDISA: CONASEMS, 2008.
VASCONCELOS, Eymard M. Educação Popular e à Saúde da Família. 3. ed. São Paulo: HUCITEC. 1999.
VIANA, Ana Luiza d’Ávila; SILVA, Hudson Pacífico; CARDOSO DE MELO, Maria Fernanda. CAJUEIRO, Juliana P.M. Financiamento e desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. In: COHN, Amélia (org.) Saúde da família e SUS: Convergências e dissonâncias. Rio de Janeiro: Azougue, 2009. P. 15-65

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