O CUIDADO COMO FORMA DE RESGATAR O MUNDO EM DESEQUILÍBRIO


Este texto é parte de um exercício realizado com os Estudantes de História de Enfermagem. Foi utilizado para demonstrar como deveria ser a discussão de uma prova da disciplina na Faculdade AGES.
 
FEIRANTE É LEVADO PELA ENCHENTE APÓS SALVAR MULHER
Folha de São Paulo
Na noite de quarta-feira, o feirante Italo Cicero Mendonça do Carmo, 24, desapareceu na enxurrada, após resgatar uma mulher que estava com o carro preso na enchente em uma avenida da zona sul de SP. Até as 21h de ontem, os bombeiros não haviam localizado o feirante, que pode ser a 76ª vítima das chuvas de verão no Estado. De acordo com Aleph Mendonça Avelino, 16, sobrinho da vítima que estava no local, o tio teria tropeçado em um tronco de árvore submerso na água.
Considerando seus conhecimentos prévios, os livro, artigos e filmes indicados e/ou visto e as discussões em sala de aula, elabore um texto com introdução, desenvolvimento e conclusão tentando explicar o que pode ter levado Italo Cícero a tentar socorrer uma desconhecida que se afogava no meio da rua. Em suas considerações pense no que é ser Enfermagem, ser cuidado em suas múltiplas dimensões. Leve em conta o que diz também Boff (1999, p. 139) sobre o cuidado:
[...] Por isso, o ser humano é, na essência, alguém de relações. [...] O rosto do outro torna impossível a indiferença. O rosto do outro me obriga a tomar posição porque fala, pro-voca, e-voca e com-voca.[...]
Leonardo Boff também diz que todos os seres vivos precisam de cuidado e cuida-se de alguma forma. Porém é a Enfermagem se autodenomina profissão do Cuidado, e isso se deve principalmente a determinação de Florence Nightingale. Waldow (2008) diz que a Enfermagem não faz cuidado, mas é cuidado. Em sua conclusão considere o que falam Waldow e Boff e diferencie o cuidado em geral, tal qual o descrito no texto da Folha de São Paulo, entre outros, do cuidado de Enfermagem de modo a ficar evidente a importância do cuidado para Enfermagem, para o serviço de saúde e, sobretudo, para continuidade da vida no planta terra.

REFERNCIAS DA PROVA
  • Feriante é levado pela enchente após salvar mulher. Disponível em: Acessado em: 23 fev. 2009.

  • PRADO, Ernande Valentin; SILVA, Adilson Lopes; CUBAS, Marcia Regina. Educação em saúde: utilizando rádio como estratégia. 1. ed. Curitiba : Editora CRV, 2009.

  • OGUISSO, Taka. (Org.) Trajetória histórica e legal da enfermagem. 2. Ed. Barueri-SP: Manole, 2007.

  • WALDOW, Vera Regina. Bases e princípios do conhecimento e da arte da Enfermagem. Petrópolis: Vozes, 2008.

  • BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, Ética do Humano - Compaixão Pela Terra. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

RESPOSTA POSSIVEL
O CUIDADO COMO FORMA DE RESGATAR O MUNDO EM DESEQUILÍBRIO
Ernande Valentin do Prado
O ser humano nem sempre apresenta um comportamento lógico. Suas atitudes não podem ser medidas, pesadas, quantificadas e no final obter-se uma resposta padrão. Cada ser humano é único e terá, consequentemente, comportamentos distintos para um número infinito de acontecimentos. Por isso é válido dizer que nem todos os seres humanos na mesma situação de Ítalo Cícero fariam o mesmo. Para maioria talvez o mais básico fosse preservar-se, pois em primeiro lugar vem à própria sobrevivência, até porque muito pouco se pode fazer estando morto. Mas ao ver uma mulher na rua correndo risco de vida Ítalo Cícero jogou-se a ajudá-la. Talvez não tenha percebido o risco que corria, talvez fosse alto autoconfiante demais para medir os riscos, talvez o amor ao próximo fosse maior e mais urgente que preservar-se. Mas será que neste momento essas explicações são tão importantes? Torralba (1998) in: Waldow (2008) diz que a natureza do comportamento humano só pode ser explicado pela Antropologia Filosófica. Collière in Oguisso (2007) diz que o cuidado destina-se a preservar e manter a vida, seja individual ou coletivamente. Isso pode explicar parte do comportamento de Ítalo: agiu para preservar a vida do próximo. Outra possibilidade que pode ter impulsionado Ítalo ao salvamento de uma desconhecida é a força interior que move o ser humano para o bem e o correto. Nas palavras de Boff (1999, p. 33) essa força interior é o cuidado. Segundo este autor o “cuidado é mais que um ato; é uma atitude.” Atitude esta que provavelmente impulsionou Ítalo. Haidegger (1889-1976) in: Boff (1999) diz que o cuidado é ainda anterior a atitude, pois se encontra na raiz do ser humano. Outra possibilidade, que não exclui as anteriores, mas apenas complementa, tem a ver com o que diz Waldow (2008) ao afirmar que o cuidador nem sempre escolher cuidar, mas é acionado por uma força moral. Força esta que Ítalo parecia ter em abundancia.
Essa ação moral é comum a todo ser humano. Alguns têm mais outros menos. Alguns conseguem enxergar mais possibilidades de exercer o cuidado outros menos, mas todos a possuem, mesmo que não a exerça com freqüência. Embora muitos autores, como Waldow (1998, 2004, 2007,2008), Leininger (1991) Watson (2005) consideram o cuidado a essência da Enfermagem, não devemos esquecer que cuidado, como já frisado por Boff e haidegger, neste mesmo texto, consideram todo ser humano capaz de cuidar. O que difere o cuidado de Enfermagem do cuidado humano em si é que a Enfermagem o exerce de forma profissional. Oguisso (2007) diz que o cuidado é o objeto da profissão. Collière in: Oguisso (2007) diz que o cuidado nem sempre pertenceu a Enfermagem ou a qualquer profissão, mas a todo ser capaz de cuidar. O Pequeno Príncipe diria que o Cuidado é invisível por ser essencial, uma vez que, concordando com Boff, Collière, Waldow, entre outros, o cuidado é essencial e “o essencial é invisível aos olhos.”
O cuidado pode ser exercido com os seres humano, com os animais, com a flora, com o planeta. O cuidado envolve a dimensão material e espiritual. Boff (1999) fala que é necessário ter cuidado com a terra enquanto uma entidade viva, enquanto a casa da humanidade. Segundo ele se não cuidamos de nossa cada não estamos cuidando do homem. “Quando a gente acaba a toalete da manhã, começa a fazer com cuidado a toalete do planeta.” Resume o Pequeno Príncipe. Boff (1999) ainda menciona a dimensão social ao enfatizar que o mundo passa por uma crise moral que leva crianças, idosos e etnias inteiras a fome e ao abandono. A fala de Boff é compatível com a percepção de Prado, Santos e Cubas (2009) ao descrever a falta de cuidado no mundo.
Cuidar, embora seja a tarefa primeira da Enfermagem, como descrito por Waldow (2008), ainda deixa a desejar. Muitos profissionais confundem cuidar com executar procedimentos. Sendo cuidado mais que uma atitude mora, não pode ser confundido com “fazer” embora o fazer seja parte indissociável do cuidado de Enfermagem. Waldow (2006) in: Waldow (2008, p. 11) diz que “na verdade o cuidado, é uma arte que pressupõe a técnica.” Pode se apreender disto que a técnica, o procedimento pode ser executado sem cuidado, apenas com o objetivo de sanar uma necessidade física e profissional, mas que isto nem sempre se traduz em cuidado. No filme o nome do Cuidado, um dos personagens diz “que não se cuida de quem não se conhece”. Porém procedimentos podem ser executados em desconhecidos. “só cuida quem sabe o nome do cuidado.”
Tudo indica que Ítato Cícero de Mendonça, feirante de 24 anos de idade e toda uma vida pela frente soubesse o nome do cuidado. O que ele faz foi cuidar da desconhecida ao salvá-la da morte. Mostrando que tem o sentimento descrito por Boff (1999) ao falar do cuidado, ou seja, amor, desvelo, dedicação pelo próximo. Ao salvar a mulher que se afogava na rua ele apenas colocou em prática o cuidar. E não fez de modo isolado, foi além e mostrou que o mundo pode ser salvo.
Ítalo Cícero deu sua vida salvando uma desconhecida e, no entanto, o que foi noticiado sobre ele e seu ato na mídia? A Folha de São Paulo dedicou a noticiar cinco linhas. Não conta praticamente nada sobre Ítalo, sua vida, seus sonhos e aspirações. Não diz quem era a vítima, onde morava, porque estava em situação de tão grande risco. Enfim, o cuidado dispensado a Ítalo e seu ato foi de um descuido digno da fala já mencionada de Prado, Santos e Cubas (2009).
Hoje vivemos um tempo em que o descaso está generalizado, seja no âmbito institucional com os pobres serviços de saúde prestado pelo estado ou pelos convênios médicos e sua filosofia do lucro máximo com atenção mínima; seja no âmbito da família, com as milhares de crianças abandonadas logo ao nascer ou nos primeiros anos de vida ou ainda com os idosos internados em casas de repouso e nunca visitados pelos filhos e parentes. Ou ainda a violência generalizada, tanto por parte de facções criminosas, quanto por parte dos órgãos de segurança pública ou privada. Poderíamos ainda citar os inúmeros conflitos armados ao redor do mundo ou a exploração sistemática da África pelos países centrais, deixando para trás discursos humanitários e deixando um rastro de sangue e abandono.
E qual o papel da Enfermagem na humanização deste mundo? É papel dela nteragir com os acontecimentos mundanos ou limitar-se a cuidar no âmbito do serviço de saúde?
Prado, Santos e Cubas (2009) dizem que o conceito de saúde do SUS é o que mais possibilidade dá para Enfermagem atuar nas questões sociais. Portanto pode-se apreender que a profissão não deve ficar restrita ao cuidado a pacientes ou aos usuários dos serviços, mas dedicar sua atenção a toda sociedade. Entender esse cuidado de forma abrangente, assim como se deve entender a saúde é primordial para resgatar o cuidado enquanto essência da Enfermagem. É justamente neste resgate, diz Waldow (2008), que a Enfermagem poderá encontrar-se, valorizar-se e ser mais valorizada pela comunidade.
Para o serviço de saúde como um todo, o cuidado pode propiciar resolutividade e abrangência, pois não se pode mais admitir serviços de saúde onde o ser humano é entendido como peças estragadas que precisam de concertos, onde os profissionais de saúde são mecânicos, como mencionado no filme o Nome do Cuidado.
Boff (1999) diz: “Construímos o mundo a partir de laços afetivos. Esses laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor.” A personagem Raposa do livro O pequeno Príncipe, diz que quando somos cativados e cativamos temos necessidade uns dos outros e conseguimos diferir o objeto cativado entre todos os outros. Ao que parece Ítalo conseguiu cativar-se pelos seres humanos e captar sua essência no meio de todos os outros indistintamente.
Vamos lembrar Ítalo, vamos comentar seu ato, vamos dignificar o que fez.
REFERENCIAS
  • BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, Ética do Humano - Compaixão Pela Terra. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
  • PRADO, Ernande Valentin; SANTOS, Adilson Lopes; CUBAS, Marcia Regina. Educação em saúde: utilizando rádio como estratégia. 1. ed. Curitiba : Editora CRV, 2009.
  • OGUISSO, Taka. (Org.) Trajetória histórica e legal da enfermagem. 2. Ed. Barueri-SP: Manole, 2007.
  • ROSENBAUM, Paulo; LAMA, Leo. O nome do cuidado. Sputinik filmes. 2009.
  • SAINT-EXUPÉRY, Antoine. Pequeno Príncipe. São Paulo: Circulo do Livro, 1994.
  • WALDOW, Vera Regina. Bases e princípios do conhecimento e da arte da Enfermagem. Petrópolis: Vozes, 2008.

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