PENSANDO SENTADO NA PEDRA IV

Sexta-feira, quase dezessete horas, estamos eu e Lula voltando para unidade de saúde depois de mais um dia de visitas domiciliares. Na verdade não era mais um dia, era mais uma semana de trabalho que terminava. Naquela tarde havíamos feito 5 visitas. O que aconteceu na volta para casa não estava previsto, embora fosse comum acontecer em nossa área.

Ao passar na Rua Sebastião Castro Silva, Silvana saiu à porta e nos chamou. Queria tirar uma duvida. Sua filha, Clarinha, de oito meses estava com assaduras há uma semana. Disse ela que já havia usado uma pomada por indicação da vizinha e outras duas por indicação da médica e mesmo assim as assaduras não diminuíam.

Sexta-feira, sobretudo no período da tarde, quase dezessete horas, tudo que a gente quer é ir embora. Uma semana inteira de trabalho cansa qualquer um e comigo e com Lula não era diferente. Mas como virar as costas para as dúvidas de uma mãe? Não dá. Disse a ela: “vamos entrar. Deixa-me ver Clarinha.”

Entramos. Silvana mostrou-me as três pomadas. Apenas uma foi fornecida pela unidade de saúde. Ela disse que na sexta-feira anterior começaram as assaduras, ela então usou a pomada indicada pela vizinha e não adiantou. Na segunda-feira esteve na médica e ela prescreveu uma pomada da unidade de saúde, que usou até quarta-feira, mas que também não adiantou nada. Então voltou a médica e ela receitou uma pomada da farmácia. Ao todo, fora o tempo gasto e o atestado que pegou para o trabalho, gastou 35 reais na farmácia. Mas era sexta-feira e esta nova pomada não estava resolvendo nada.

Olhei Clarinha e as assaduras. Questionei a forma como cuidava, que fraldas usava, se pano ou descartáveis, se tinha alergia, se usava talco, lencinho umedecido, se deixava muito tempo com a fralda molhada ou se trocava na hora. Enfim fiz uma consulta de Enfermagem completa, como deve ser.

Para concluir orientei a forma de tratamento. E pedi: “se não melhorar, me procure na segunda-feira.”

A segunda-feira passou e Silvana não passou na unidade de saúde, mas já havia orientado Lula a ir atrás e saber como estava Clarinha e Silvana.

Elas estavam bem. As assaduras não existiam mais.

E o que foi que fiz que o médico não fez?

Fiz uma consulta e baseado nas evidencia passei o tratamento indicado para o problema.

Mas não foi isso que a médica fez nas duas oportunidades em que Silvana levou sua filha na unidade de saúde?

Não sei...quer dizer: sei sim, mas não vou responder, pois não vem ao caso.

O que vem ao caso é o seguinte:
O problema de Clarinha e Silvana era da minha competência resolver. Era do médico também, mas, pela constituição da minha profissão, acredito que tinha mais condições de resolver este caso. A Enfermagem, até por não estar em sua competência prescrever medicações tem possibilidades terapêuticas maiores do que os médicos para um grande número de problemas. O que quer dizer que sua terapêutica pode ser mais simples, mais barata e em muitos casos mais eficiente.

Como fica a cabeça da usuária diante destas possibilidades, as vezes tão divergentes? Não seria mais apropriado que médicos, enfermeiros e os outros profissionais de saúde pudessem dialogar antes de passar um tratamento? Na estratégia Saúde da Família não estamos juntos e deveríamos trabalhar em conjunto? Ou pedir ajudar é reconhecer que não sabe tudo e diminuir-se ao olhos dos usuários?

Seja como for, esse episódio, entre tantos outros que acontece no dia-a-dia da Enfermagem, serve para demonstrar para os Usuários qual a diferença entre um Médico e um Enfermeiro e quais as possibilidades terapêuticas de cada um.

Será que se um dia a Enfermagem passar a dispor de um arsenal farmacológico maior vai acabar esquecendo estas possibilidades terapêuticas tão ricas?

A questão não é quem é melhor, quem resolve mais, mas sim o que é competência de cada um e qual as necessidades dos usuários.

Agora a dúvida que ficou: o que fazer com as pomadas que sobraram?

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