UMA VEZ CHOREI NO MEIO DE UMA REUNIÃO

Uma vez chorei no meio de uma reunião com as mulheres da comunidade. Lembro bem até hoje quando foi e por que.

Era sexta-feira, sete da manhã. Minha sala, bem decorada e organizada pela equipe tinha 12 mulheres. Todas confortavelmente sentada, apesar do aperto e do calor. Mas era um calor humano que ficou mais intenso depois.

Sentia todas elas perto. Via seus rostos marcados por sofrimento, dor, angústias, possibilidades. Sempre gostei de olhar a face das pessoas, percebê-las.

Sempre gostei de ouvi-las também. deixá-las falar e em uma reunião que antecede o exame de mama e de colo de útero, isso parecia a coisa mais certa a fazer.

Era uma reunião como qualquer outra que fazia toda semana. Já tinha feitos muitas outras, mas uma reunião nunca é igual à outra. É como o “bolero de Ravel” que se repete, mas cada vez de modo diferente e mais intenso e sempre com emoção redobrada.

Sabe aquela máxima que diz que o profissional não deve se envolver com o paciente ou com o drama dos pacientes? Nunca respeitei nem levei a sério. Só vale a pena fazer esse trabalho se puder me envolver.

O importante nesta reunião, mais que deixar as mulheres a vontade para realização da coleta de preventivo, era prepará-las para o futuro, para se cuidar constantemente e não apenas neste momento. Perceber o quanto uma atividade simples pode ser uma experiência profunda de respeito e ética com o outro.

Discutir o papel a mulher, enquanto suporte de cuidado de toda família, era uma questão da reunião. Falar de dor ou de possibilidade de dor, de tratamento, de câncer. Tudo isso sempre foi difícil e dolorido, mas extremamente necessário. E, por mais que houve dor, para mim, em tratar deste tema, nunca fugi dele.

Mas, nesta época, em especial, foi mais dolorido que em outras. Minha mãe estava passando pelo tratamento de câncer de mama. Já havia feito a retirada de uma mama e estava fazendo quimioterapia.

Quando falava para as mulheres sobre as conseqüências de um câncer, sobre a importância de prevenir, tratar, da possibilidade de sofrimento do próprio tratamento, lembre de minha mãe, da dor que senti quando ela recebeu o diagnóstico. O quanto chorei. O desespero de saber que ela passaria por um tratamento tão duro, tão difícil e sofrido.

Me vi acompanhando todo drama, toda trama. E vendo uma mulher tão especial sofrendo sem merecer. Porque na verdade não entendo o significado o sofrimento e sua necessidade neste mundo.

Na hora da reunião, quando falávamos de evitar esse sofrimento eu chorei.
No começo correu uma lágrima pelo canto dos olhos, mas tentei disfarçar e continuei falando. As lágrimas foram aumentando e não havia mais como disfarçar ou continuar falando. Chorei de verdade.

As mulheres ficaram caladas. Comovidas. Respeitosas com minha dor.

Não achei isso o fim do mundo, nem que eu não fosse um bom profissional. Achei, depois, inclusive que isso me tornava mais humano, profissional mais preparado para continuar trabalhando para evitar que essa doença atinja tantas mulheres. Além disso, cuidar não é uma função só da Enfermagem. No meu ponto de vista cabe ao paciente também cuidar do Enfermeiro. E eu senti-me cuidado pela atitude daquelas mulheres.

Depois venci essa emoção que brotou tão forte e voltei a cuidar das mulheres e seguimos em frente: falamos do câncer, das formas de evitá-lo, de como se faz o exame e por que.

No atendimento individual, que acontecia depois da coleta do preventivo, elas perguntaram de minha mãe, deram conselhos e disseram que iam rezar por ela e por mim.

Continuo sendo Enfermeiro e mais forte, por sei que as dores que afetam o outro também pode me afetar e que eu também preciso de cuidado.

Comentários

Visualizações de páginas da semana passada

contador de visitas


Postagens mais visitadas deste blog

PACIENTE, CLIENTE, USUÁRIO – QUEM SÃO ELES

O GRÃO DE FEIJÃO, ALICE E O SERVIÇO DE SAÚDE