PARTILHANDO INFORMAÇÕES CONSTRUINDO CIDADANIA: EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE VIA RÁDIO COMUNITÁRIA

RESUMO

Esse projeto é desenvolvido pela Equipe de Saúde da Família da área urbana em parceria com a rádio FM comunitária Rio Negro desde 2005. O programa de radio foi criado em Curitiba, como trabalho de conclusão do curso de Enfermagem da PUCPR. Em Rio Negro passou por diversas transformações até chegar ao formato que tem hoje. Inicialmente tinha 10 minutos e ia ao ar toda terça-feira às 16 horas. Na segunda fase passou a ser apresentado nas sextas-feiras entre as 10 e 30 e às 11 horas. Atualmente vai ao ar toda quarta-feira entre às 10 e às 11 horas. As atividades em torno do programa e a apresentação é parte integrante das atividades de rotineira da equipe. Envolvem-se com o preparo e execução do programa: Enfermeiro, Auxiliar de Enfermagem, Nutricionista e Agentes Comunitários de Saúde. Alguns quadros, como “o povo do SUS”, são gravados e editados com antecedência e apresentados ao vivo. O programa chama-se “Saúde Comunitária”. Não é um programa de um servidor, mas sim de toda equipe. Geralmente são 3 a quatro participantes por semana. Alguns servidores atuam nas pesquisas e desenvolvimento dos temas e não necessariamente na frente dos microfones. Conforme o tema são convidados outros profissionais e principalmente populares, pois nossa intenção também é criar um diálogo entre o saber popular e o saber técnico científicos dos servidores da saúde. O propósito básico do projeto é partilhar informações com a população e com os servidores, motivar debates em torno de temas importantes para saúde e cidadania, mobilizar a população para participação nos projetos e programas presenciais, divulgar serviços, contribuir com a conscientização dos servidores quanto ao nosso trabalho. Trabalhamos cotidianamente com a idéia de autonomia da população, por isso nos preocupamos em não fazer um programa do tipo “receitas de uma vida feliz”, pois essa formula não condiz com os novos pressuposto de saúde promovido pelo SUS.

INTRODUÇÃO


Em 2004, durante a confecção do trabalho de Conclusão de Curso na graduação de Enfermagem, desenvolvida na cidade de Curitiba, defendemos um trabalho de educação em saúde que tinha como foco principal a utilização de rádios comunitárias e rádios livres. Na época desenvolvemos um programa de rádio chamado “Saúde Comunitária”. Este Programa foi produzido na Secretaria de Comunicação Social da prefeitura de Curitiba e distribuído gratuitamente para aproximadamente 10 estações de rádios comunitárias e livres dos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Sergipe. Esse programa era gravado, tinha entre 3 e 8 minutos de duração e era distribuído em CD para as rádios interessadas em veiculá-lo. A intenção era realizar, no futuro, os programas por séries específicas. Cada série teria um número determinado de assuntos, decididos conforme as necessidades da comunidade e também da maior abrangência possível do assunto.

Em 2005 teve inicio a segunda fase do programa Saúde Comunitária, desta vez na cidade de Rio Negro, interior de Mato Grosso do Sul. Ao iniciar trabalho no PSF – Programa de Saúde da Família da área urbana e tendo a cidade uma rádio comunitária, teve inicio também o projeto Partilhando Informações Construindo Cidadania. Inicialmente foi apresentado às 16 horas nas terças-feiras e tinha 10 minutos de duração. Era apresentado pelo Enfermeiro, pelo Agente Comunitário de Saúde e pelo Auxiliar de Enfermagem.

A intenção, nesta fase, era aproveitar a experiência do projeto acadêmico, Saúde Comunitária, mas adaptando-as as condições reais encontradas em Rio Negro.

O curioso desta fase inicial foi que ninguém achou que isso não era função da Equipe e não houve medo da experiência nova. Todos os envolvidos aceitaram a proposta sem dificuldade ou precisar gastar tempo com longas argumentações. A única consideração que fizeram é que o horário não era bom: terça-feira à tarde, o que realmente era verdade. Leal (2006) diz que o horário nobre do rádio vai das 7:00 às 19 horas, ou seja, o horário de maior audiência.

Neste horário fizemos o programa por aproximadamente 60 dias. Tinha duração de 10 minutos e era uma versão ao vivo da experiência do programa gravado em Curitiba. Mesmo sendo uma cópia do projeto de faculdade, houve espaço para incorporar as demandas e exemplos do dia-a-dia. Assim nasceu uma das edições mais comentadas, ou seja, um programa sobre a solidão, tendo como exemplo as queixas de uma usuária. Dados que a identificavam foram mantidos em segredo.

Com o rearranjo das atividades da equipe e a empolgação com que conduzia o programa, passamos a realizá-lo nas sextas-feiras com duração de 30 minutos.

Nas sextas-férias, o programa iniciava às 10h30 min da manhã, ou seja, no horário nobre do rádio brasileiro. É neste horário que o rádio tem sua maior e melhor audiência. O rádio permite que se ouça sua mensagem enquanto se dedica a outros afazeres. Portanto, é neste momento, enquanto a dona de casa prepara o almoço, que o Programa Saúde Comunitária encontrou sua melhor audiência.

Até 2006 o texto que desenvolvíamos nos programas eram preparados com antecedência e lidos durante a apresentação, pois havia uma insegurança grande na equipe de esquecer os detalhes do que dizer na rádio. A partir de inicio de 2007 passamos a estudar os temas com antecedência, mas não preparar textos e o programa deixou de ser expositivo para tornar-se um dialogo entre os profissionais e a comunidade.

A audiência sempre foi muito boa. Em pesquisa publicado na Revista o Mundo da Saúde em 2007, conseguimos aferir aproximadamente 84% de audiência entre os ouvintes da rádio. Esse média é muito boa devido ao foto de não ser possível sintonizar outras rádios em Rio Negro.

Objetivos:

Os objetivos do projeto são:


Partilhar informações com a comunidade e contribuir para o desenvolvimento de cidadania.

Objetivos específicos:
1. Divulgar informações sobre saúde;

2. Divulgar informações sobre direitos e deveres dos usuários;

3. Divulgar informações sobre serviços oferecidos pela Equipe: locais, dia, hora;

4: Mobilizar a população em tornos dos programas;

5. Mobilizar os servidores em torno de estudos;

6. Valorizar o conhecimento popular;

8. Partilhar o conhecimento popular com os servidores e vice versa.


Metodologia:

Pauta:

1. A pauta dos programas são geralmente retirado do calendário de atividades do Ministério da Saúde;

2. Demandas observadas no dia-a-dia da Equipe: surtos epidemiológico; problemas observados;

3. Reunião de Equipe: toda segunda-feira tem reunião de equipe e elaboramos em conjunto a pauta dos assuntos que serão tratados ao vivo. A pauta é dividida entre a equipe para pesquisar e apresentada na quarta-feira pela manhã, antes do programa ir ao ar. A depender da complexidade do assunto a pesquisa pode ser desenvolvida e o programa preparado com mais de uma semana de antecedência;

4. Quadros gravado; os quadros gravados são: O povo do SUS, Intervalo Cultural e campanhas especificas. Esses quadros são preparados com antecedência de uma semana;

O Programa:

Roteiro simplificado:


1. Abertura: vinheta gravada com identificação do programa, poesia (todo programa abre com uma poesia) e créditos;

2. Apresentações: neste trecho a equipe se apresentar, cumprimenta os ouvintes, diz a pauta do dia;

3: Vinheta de endereços para contatos: vinheta gravada com endereços de contato da equipe na rádio e no serviço de saúde;

4. Spot 1: campanha permanente de detecção de Tuberculose;

5: Assunto principal: começamos com o assunto principal do dia. Geralmente conversamos durante dez ou quinze minutos. Abrimos para participação do ouvinte por telefone.

6. Spot 2: campanha permanente contra hanseníase;

7.Assunto 2: esse trecho só acontece quanto os assuntos do dia são curtos e não há participação de ouvintes;
8. Spot 3: Escolhido conforme demanda do programa: pode ser gravidez na adolescência, dengue ou material do Ministério da Saúde;

9. Intervalo Cultural: com meia hora de programa fazemos um intervalo para dar uma pausa para o ouvinte refletir sobre os assuntos antes de iniciar outro. Geralmente colocamos músicas de artistas que geralmente não tocam na rádio.

10. Quadro 1: O povo do SUS: esse quadro é gravado com antecedência e visa divulgar a opinião de usuários dos SUS ou de servidores a respeito de determinados assuntos;

11: Quadro 2: dicas de alimentação saudável, geralmente aproveitamos spots do Ministério da Saúde;

12. Avisos e recados: próximo do encerramento do programa avisa sobre as atividades da semana que serão desenvolvidas no Centro de Saúde e nos bairros, avisos de atividades e festas das comunidades. Concluímos mandando abraços para ouvintes visitados pelos ACS naquela semana;

13. Encerramento: vinheta gravada com o encerramento.


Resultados alcançados:

Em atividades de educação popular em saúde é difícil medir resultados de forma objetiva. Porém podemos destacar resultados em quatro áreas especificas: resultados para os servidores, para o serviço, para a rádio e para os usuários.

Resultados para os Servidores: de um modo geral os Agentes Comunitários de Saúde foram capacitados em locução, linguagem radiofônica, gravação e edição de áudio. Dos participantes do programa, três inclusive chegaram a desenvolver outras atividades na radio. Além desta capacitação, toda equipe acaba se beneficiando, pois as pesquisas desenvolvidas para por o programa no ar favorece o trabalho no dia-a-dia. Exemplo: ao preparar uma pauta sobre doença provocadas por animais doméstico ou tuberculose, favorece o desenvolvimento dos trabalhos de rotina, uma vez que toda equipe estuda sobre o assunto. Esses resultados podem ser observados no decorrer do tempo pela desenvoltura dos ACS em conversar com os usuários sobre diversos assuntos para os quais não tiveram instrução formal.

Resultados para o serviço: com o programa de radio conseguimos divulgar nossas atividades, prazos, rotinas, locais e hora de atendimento. Assim a população fica melhor informada sobre nossos serviços, documentos exigidos em alguns atendimentos, horários do Centro de Saúde, reuniões na comunidade e outras. Desta forma economizam tempo e têm melhores serviços. Um outros dado importante é que com o programa de rádio conseguimos mobilizar mais pessoas para as reuniões educativas. Não nos limitamos em fazer atividades educativas via rádio, mas sim utilizar o rádio para ampliar nosso alcance, seja com os temas desenvolvidos seja mobilizando a população para atividades presenciais. É freqüente os comentários de usuários dizendo que ficou sabendo da reunião ou da hora da reunião pelo rádio.

Resultados para rádio: embora a rádio FM Rio Negro seja comunitária, sua programação não difere em nada de outras rádios comerciais. A falta de cultura radiofônica comunitária é um empecilho para o desenvolvimento de programa com cunho educativo e ou comunitário. Com nossa presença na rádio e a demanda que criamos por informações, à discussão que promovemos sobre radiodifusão comunitária, a rádio se beneficiou ao aproximar de sua missão, inclusive definida em lei especifica (Brasil, Lei n° 9.612, de 19 de fevereiro de 1998.). Beneficiou-se também ao incorporar a presença de voluntários na programação, uma vez que todos os outros locutores são assalariados. Com o programa saúde comunitária novos atores socais Foram formados e incorporados a programação da rádio.

Resultados para os ouvintes: os resultados alcançados pelos ouvintes talvez sejam os de maior dificuldade de medir. É comum ouvir comentários dos ouvintes usuários dos SUS sobre alguns programas ou receber ligações durante o programa ao vivo. No entanto não é possível saber até que ponto nossas informações influenciaram alguma mudança de comportamento. Sabemos que com mais e melhores informações os usuários podem tomar decisões sobre qual a melhor hora de procurar assistência, ir a uma reunião, quando e como defender seus direitos, mas ainda não conseguimos medir isso.

Em 2006 realizamos uma pesquisa onde constatamos o seguinte:

79% dos ouvintes são do sexo feminino. 81% dos entrevistados sabiam da existência do programa e destes 83% ouviam o programa. Dos usuários que diziam ouvir o programa 46% diziam ouvir toda semana e 54% ouviam às vezes. Dos ouvintes declarados, 96% diziam gostar da forma como ele era feito e 90% declaram que os temas eram tratados de forma fácil de entender. Alguns usuários registraram as seguintes falas: “É muito bom porque precisamos ficar bem informadas para nos cuidar.” “Quando os assuntos são interessantes paro meus afazeres para prestar atenção.” “Antes ouvia direto, agora tenho que ir para escola... gostaria de ouvir sobre câncer de mama e de útero.” “Gosto porque ouço informações na minha própria casa.” A integra do artigo: Programa de Educação em Saúde via rádio: percepção do ouvinte, pode ser lido em: O mundo da Saúde Ano 31 v.31 n.3- junho setembro de 2007, páginas 392-402.


Lições aprendidas com a experiência:
São várias as lições aprendidas com o programa de rádio, a começar pela parte técnica: o mecanismo rádio é simples de operar, de baixa complexidade tecnológica e alcance gigantesco. A aprendizagem é simples e a técnica facilmente dominada. Com esse serviço os ACS aprenderam a valorizar a importância do trabalho de comunicação e principalmente a explorar e valorizar seu potencial e da comunidade.

Aprendemos também que um trabalho prestado à comunidade não pode ter “dono” e sim ser de domínio do maior numero possível de pessoas. Foi assim que tiramos em planejamento a decisão de incorporar mais servidores ao projeto. Desta forma a falta de uma pessoa não interrompe o serviço.

Aliado ao domínio da linguagem do rádio aprendeu que não somos locutores e nem temos que reproduzir o modo como eles fazem seus programas. Nossa intenção é fazer programa de saúde no rádio e não programa de rádio sobre saúde. Foi assim que decidimos que tínhamos que fazer um programa de diálogo com os ouvintes e não um programa expositivo com voz empostada.

Quando descobrimos que o diálogo era a melhor forma de fazer nossa comunicação com o ouvinte também descobrimos que informalidade na forma não quer dizer descuido com o conteúdo ou com a forma. Nosso programa está em constante mutação. Ouvimos, avaliamos, corrigimos e vamos aperfeiçoando nossa forma de fazer.

Aprendemos que apesar do rádio dar prazer e às vezes parecer brincadeira, é coisa muito séria e é parte de nosso trabalho de educação em saúde assim como qualquer outra atividade que fazemos no dia-a-dia. Essa postura faz com que sejamos respeitados na hora de priorizar o preparo e a excussão de nossas atividades radiofônicas.

Aprendemos a valorizar a fala de cada pessoa que liga no programa e também da manifestação de cada um nas reuniões.

Aprendemos a valorizar muito mais o trabalho da equipe e o planejamento, uma vez que não planejando as coisas saem erradas ao vivo na frente dos ouvintes.

O maior aprendizado, no entanto, é descobrir que existe diversas forma de realizar nosso trabalho educativo que não apena seguir os protocolos. A partir disto a equipe ficou mais aberta para outras possibilidades, incluindo aqui uma festa junina.


Recomendações:

Descobrimos uma forma interessante de trabalha e que trás resultados em praticamente todas as áreas de nossas atividades e temos exportado essa experiência para outros lugares.
Recomendamos que quem tiver interesse em desenvolver atividades educativas via rádio comece de forma simples, sem muitas pretensões, seguindo um planejamento e um roteiro pré estabelecido. Cada localidade tem uma característica e necessidades diferentes, portanto não existe um formula básica.

Importante é conhecer o público para com o qual deseja se comunicar: faixa etária, sexo, interesses, problemas e possibilidades. O rádio por ser simples possibilita que o aprendizado de suas técnicas seja desenvolvido com a caminhada. Importante para os iniciantes é conhecer a lei 9.612 que instituiu as rádios comunitárias, uma vez que os “proprietários” destas rádios costumam dificultar o acesso a elas. Mas a lei garante a comunidade e ao serviço de saúde acesso sem custos. Estamos aqui falando em rádios comunitárias, mas mesmo em rádios comerciais é possível desenvolver esse serviço. Recomendamos que os programas sejam gravados e ouvidos posteriormente para corrigir as falhas. Por último recomendamos que não se deva preocupar com a qualidade da voz dos servidores da saúde, mas apenas com a dicção, uma vez que o ouvinte não vai ficar avaliando se a voz é ou não igual a de um locutor profissional mas apenas se consegue ou não entender o que ouve.

Para as equipe de saúde da família fazer um programa de rádio os custos são praticamente nulos e o alcance muito grande. Recomendamos que todos que tiverem essa oportunidade a desenvolva, pois vai qualificar o trabalho da equipe e a relação com os usuários. Mas para tanto deve-se evitar a tentação de fazer um programa com “receita de uma vida feliz” prescrevendo formulas fáceis e estéreis de se evitar doenças. Esse tipo de programa costuma conhecer o sucesso fácil e a frustração mais rápida ainda

Referencias:

LEAL, Marcel. Porque o Rádio dá mais resultado que a tevê. Disponível em: http://www.microfone.jor.br/razoes.htm Acessado em: 28 de mar. de 2006.

Brasil, Lei n° 9.612, de 19 de fevereiro de 1998. Institui o serviço de radiodifussão comunitária e dá outras providencias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, V.2, nº36 p. 11, 20 de fev. 1998. Seção 1, p.1.

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