VIVENCIA EM ALEITAMENTO MATERNO


Introdução
 Esta vivencia aconteceu em Rio Negro, mato Grosso do Sul em 2007. Estava perdida nos arquivos referentes aos trabalhos na Estratégia Saúde da Família da área urbana, que ainda mantenho. Esta história nunca saiu da minha cabeça, apesar do aparente fracasso que significou. Mas apesar disto, foi um exemplo da força que pode ter o trabalho multiprofissional em Atenção Primária em Saúde.
Os nomes das pessoas envolvidas e o bairro foi trocado, mas as datas e a redação do caso ainda são as mesmas. Em algumas situações foi introduzido, em forma itálica, comentários e explicações sobre a rotina da equipe, isto no intuito de contextualizar as situações.

Relato
 Em visita de rotina à Puérpera (toda gestante e recém-nascido recebia visita de um membro da equipe na primeira semana de pós-parto), foi detectado que a Senhora Marilda, 28 anos, moradora do Bairro Mar alto, não estava conseguindo amamentar de forma satisfatória.
A filha, Marli, segunda a mãe, nasceu com baixo peso e apresentava dificuldade para sugar o leite na mãe. Marilda queixava-se de mama ingurgitada e dolorida.
No pré-natal Marilda foi acompanhada no Centro de Saúde José de Souza Brandão e frequentava regularmente o Encontro de Gestantes. (Os encontros eram semanais e promovido em parceria entre Pastoral da Saúde, Promoção Social e a Equipe da ESF. Durante o programa foi orientada por diferentes profissionais da equipe de saúde, do serviço social, da comunidade e da igreja).
O parto foi realizado fora do município, em Campo Grande (Capital do estado. Apesar de ter uma unidade hospitalar no município, os profissionais médicos raramente faziam parto. Alegavam falta de estrutura. Essa situação dificultava um atendimento mais personalizado e humanizado às gestantes), mas tão logo ficamos sabendo que havia chegado, formos fazer a recepção da família.
O cartão da criança não estava preenchido (o que era comum acontecer com as crianças nascida fora do município). Não havia nenhuma anotação do peso ao nascer para comparar com o momento.
18/05/2007 – Primeiro contato pós-parto: Visita Domiciliar do Enfermeiro: detectado mama ingurgitada, mãe relata dor leva nas mamas. Ensinada a fazer a ordenha e orientada retirar um pouco de leite antes do bebe mamar. (este procedimento facilita para o bebe abocanhar a mama). Orientada  levar filha para tomar banho de sol pela manhã (antes das oito horas) ou a tardezinha (após as dezessete horas). Mantê-lo no berço durante o dia e a noite, alimentar-se bem e beber agua em abundancia para ter leito à vontade. Ir ao Centro de Saúde na segunda-feira para fazer consulta completa: puerpério, teste do pezinho, medidas antropométricas, receber vacinas.
Agente de Saúde foi orientado a visitar semanalmente. Solicitado visita da Nutricionista após consulta no Centro de Saúde.
21/05/2007 – Atendimento no Centro de Saúde: Profissionais - Enfermeiro, Médico, Assistente Social: Peso: 1.7 kg , Comprimento: 40 cm , Perímetro Cefálico: 31,5 cm.  CRIANÇA COM BAIXO PESO. Iniciado terapia para recuperação: Orientações: esgotar as mamas e oferecer o leite a cada duas horas em seringa; complementar com leite artificial (fornecido pelo Serviço Social da Saúde) há cada 2 horas. Oferecer a mama uma vez ao dia para o bebe não perder os reflexos.
Em avaliação a criança demonstrou estar com reflexos preservados. Realizado teste do pezinho. Mãe relata depressão pós-parto, porém não apresenta sintomas característicos. (A equipe não contava com profissional de Psicologia nesta época).
Sobre o leite artificial - Orientada sobre o caráter excepcional do aleitamento com leite ele. Foi enfatizado a necessidade de ordenhar a mama e preservar o leite na geladeira. (Recebeu orientação de como esterilizar frasco de vidro e preservar o leite e nova orientação sobre como realizar a ordenha da mama). A equipe foi colocada a disposição – deveria chamar sempre que achasse necessário.
24/05/07Visita domiciliar do Enfermeiro: Mãe relata estar seguindo instruções: esgotando leite materno e oferecendo na seringa a cada duas horas, complementando com leite artificial intercaladamente. Em exame físico Marli Apresentava assadura em região genital: questionada sobre troca de fralda e banho de sol. Reorientada a usar fralda de pano e trocar imediatamente após molhar. Solicitado que leve filha para pesar toda segunda-feira. Mãe relatou ter recebido visita da Nutricionista e orientações sobre aleitamento materno.

No período que se seguiu entre 24 de maio e 15 de junho recebeu visita semanal do Agente Comunitário, mais uma visita da Nutricionista e atendimento até duas vezes na semana com Enfermeiro, Assistente Social e Médico.
Em todos os atendimentos foi reorientada sobre amamentação e sobre o período de fornecimento do Leite artificial, bem como sua deficiência em relação ao leite materno. A ênfase era na necessidade de voltar a amamentar no peito após criança ganhar peso.
Marilda, em todos os atendimentos, relatava estar esgotando as mamas e oferecendo o leite materno conforme as orientações e ainda estar pondo a criança para mamar no peito uma vez ao dia.
Em um dos atendimentos disse que Marli não aceitava mais o peito e reagia com náusea ao leite materno.

Apesar de Marilda negar, sua mãe disse que ela  estava oferecendo o leite na mamadeira e que não esgotava as mamas como dizia. Para Nutricionista ela revelou que às vezes dava leite na mamadeira e outras vezes na seringa. Em visitas anteriores foi observado presença de mamadeira e bico, mas a mãe sempre negava estar usando.
Quando os indícios de que Marilda não estava oferecendo o peito conforme as orientações foi muito grande, o ACS lhe disse que a Secretaria Municipal de Saúde não iría fornecer o leite após a recuperação do peso. Na época Ela disse que  a sua mãe iria comprar o leite, caso a SMS não fornecesse.
Na semana seguinte a avó da criança, esteve no Centro de Saúde e foi atendida pela Assistente Social. Ela queria novas latas de leite, mas, conforme previamente combinado, não foi fornecido.
No dia seguinte Marilda esteve no Centro de Saúde com Marli e foram atendidas pelo Médico: relatou que a criança não queria mamar e que o leite era pouco. O médico prescreveu leite artificial até o sexto mês.
Com a receita em mãos foi á sala da Assistente social solicitar a compra do leite e ambas foram até o Enfermeiro.  
Marilda disse que Marli não aceitava mais o peito. Demonstrava impaciência e claramente não ter intenção de amamentar. E com a receita médica queria que a Secretaria de Saúde fornecesse o leite.
Foi orientada que não cabe a Secretaria de Saúde fornecer leite para criança, uma vez que ela tem leite e que ele é o melhor para criança. Colocamos-nos a disposição, caso ela quisesse,  para ajudá-la a voltar a amamentar.
Neste dia lhe foi fornecida mais uma lata de leite e orientada que era a última e que se quisesse manter com o leite artificial deveria comprar as próximas.
Neste mesmo dia, a tarde, a Assistente Social e a Terapeuta Ocupacional fizeram visita domiciliar para reorientar sobre aleitamento materno, recuperação da amamentação e frisar que não forneceríamos o leite artificial. Foi esclarecido que o fato do médico ter fornecido receita, não quer dizer que a Secretaria precisa fornecer o leite, uma vez que a mãe tem o melhor dos alimentos para o recém-nascido e pode amamentar.
Nestas condições Marilda aceitou fazer o programa de reeducação da amamentação. O ACS ficou de sobreaviso para verificar como estava sendo a reeducação da amamentação.
Por informes da avó e de vizinhas ficamos sabendo que estava seguindo as orientações.
18/06/2007Atendimento do Enfermeiro: Marilda relata que Marli voltou a mamar e que não falta. Ganhou de aproximadamente 500 gramas. A informação foi confirmada pela Terapeuta Ocupacional, que conduziu o processo de reeducação da amamentação.
Até o momento envolveram-se no caso: Agente Comunitário de Saúde, Enfermeiro, Médico, Assistente Social, Auxiliar de Enfermagem, Nutricionista e Terapeuta Ocupacional. O sucesso até o momento, deste atendimento deveu-se a todos os envolvidos e também a comunidade, pois a Senhora Marilda, mais de uma vez relatou estar recebendo conselhos de algumas vizinhas sobre como aumentar  e sobre a importância do leite materno. Além disso, nos período em que não se podia confiar nas informações da mãe, foram as visitas quem repassavam as informações.
Passadas duas semanas de reinicio de amamentação voltou a dar leite artificial. Questionada sobre o porquê, disse que era porque o pai tinha que comprar o leite.

Observação:
Ao que parece, inconscientemente ou não, a Senhora Marilda não queria amamentar para castigar o ex-marido, que a deixou e foi viver com outra mulher antes de Marli nascer. Em queixas relatou ou deixou transparecer que ele tinha que comprar o leite, pois não estava “pagando nada” e só tinha dinheiro para gastar com a atual mulher.
Mesmo com todos os esforços da equipe (que infelizmente não foram suficiente) Marli continuou recebendo leite artificial e leite de Vaca, uma vez que o leite artificial indicado é muito caro.
Após essa experiência foi discutido e aprovado pela Secretaria Municipal de Saúde a seguinte Norma administrativa:

Norma Administrativa Assistencial

Norma nº 002/2008

Referente à prescrição de terapias que podem interferir no aleitamento materno

A partir de 01 de fevereiro de 2008 fica estabelecida a seguinte norma referente à prescrição de terapias que podem interferir com o aleitamento materno:

1.    Detectado a necessidade de prescrever leite artificial ou alimentação sólida antes dos 6 meses de vida, deve-se consultar a equipe multiprofissional, especialmente: Enfermagem, Nutricionista e Assistente Social.
2.    Em face da  necessidade de desmame a mãe deve ser encaminhada para equipe multiprofissional antes da prescrição final, sendo o ideal chamar os profissionais e tomar a decisão na hora.
3.    Prescrição de alimentos antes dos 6 meses de vida deve ter parecer favorável da equipe multiprofissional.
4.    Todos os profissionais da rede municipal de saúde devem ser acionados, conforme cada caso, antes de prescrever qualquer terapia que interfira no aleitamento materno exclusivo até os 6 meses.
5.    Todos os procedimentos realizados e orientados devem ser registrados no prontuário da usuária para revisão posterior.

Rio Negro, 17 de janeiro de 2008.

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Ronan Pinheiro da Silva
             Secretário Municipal de Saúde

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