O SABER DA ENFERMAGEM E A PRESCRIÇÃO MEDICAMENTOSA

Segundo Waldow (2008), o saber da Enfermagem é o cuidado. O cuidado, como saber ou como fazer pode se manifestar de diferentes aspectos, entre eles procedimentos técnicos, discurso, postura. Segundo Prado, Santos e Cubas (2009), o cuidado é ou deveria ser promoção de saúde.
A compreensão do cuidado vai além do fazer, ele é antes de tudo um agir, uma postura, um jeito de ser. Um ato ético primordial. “A Enfermagem, na qualidade de área de conhecimento da saúde, tem pesquisado e refletido sobre o termo ‘cuidado’, tomando para si inclusive a arte de cuidar (...)”. Santos in Santos (2007, p.24).
Essa discussão parece muito teórica. Mas as aulas, que tenho ministrado nos últimos semestres são animadas. Lê se muito, produzem-se muitos textos, muitos discursos. Reflete-se muito também. O que é bom.
Acredito que é a partir desta discussão que a aluna e o aluno vai perceber a construção do corpo de saber e de fazer da enfermagem. É importante o estudante se sentir parte da Enfermagem. Conhecer suas origens, suas lutas. Fazer parte da discussão política da categoria. Revoltar-se e, sobretudo, orgulhar-se, da história da Enfermagem.
Essa discussão é muito importante hoje, pois há todo um movimento, ainda pouco percebido, de transformação na enfermagem. Muito se tem falando nas consultas de enfermagem na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Como se isso foi realmente bom para nós ou como se fosse coisa nova ou inédita. Faço consulta de Enfermagem desde que me formei, por exemplo.
A verdade é que isso pode ser bom ou não, depende de como vai se dar de fato: de forma soberana, ou seja, a partir de nosso saber/fazer ou de forma subalterna, fazendo o trabalho que deveria ser feito pelo Médico da forma como o médico faria? 
Essa discussão é fundamental para todos. Mas como materializa-la?
A questão fundamental é entender como o cuidado, enquanto saber/fazer/postura, pode se materializar no cotidiano.
Pensando nesta dificuldade, que se revela no reconhecimento, mas também no explicar/entender, já que se trata muito da postura, lembrei-me de um texto escrito a partir de uma vivencia, quando ainda atuava na Estratégia Saúde da Família. Ele é um exemplo desta discussão muito atual na Enfermagem e fundamental para o que vai ser essa profissão no futuro, pois discuti o fazer a partir do saber da Enfermagem.

A VIVENCIA
Estávamos voltando para Unidade de Saúde após fazer algumas visitas. Saiamos de uma casa e formos chamados em outra para atender uma criança.
A filha de Silvana, Clarinha, de oito meses estava com assaduras há uma semana. Silvana disse que já havia usado uma pomada por indicação da vizinha e outras duas por indicação da médica e mesmo assim as assaduras não diminuíam.
Queria ir embora. Era quase 17 horas. Depois de uma semana inteira de trabalho não é fácil, mas pedi para ver a menina.
Entramos. A mãe mostrou as três pomadas. Apenas uma foi fornecida pela unidade de saúde. Ela disse que na sexta-feira anterior começaram as assaduras, então usou a pomada indicada pela vizinha e não adiantou. Na segunda-feira esteve na médica e ela prescreveu uma pomada da unidade de saúde, que usou até quarta-feira, mas que também não adiantou nada. Então voltou a médica e ela receitou uma pomada da farmácia. Ao todo, fora o tempo gasto e o atestado que pegou para não ir ao trabalho e ficar com Clarinha, gastou 35 reais. Mas já era sexta-feira e esta nova pomada não estava resolvendo como ela esperava.
Olhei Clarinha e as assaduras. Questionei a forma como estava cuidando, que fralda usava se pano ou descartáveis, se tinha alergia, se usava talco, lencinho umedecido, se deixava muito tempo com a fralda molhada ou se trocava na hora. Enfim, fiz uma consulta de Enfermagem como podia naquele momento.
Para concluir orientei a forma de tratamento que julguei mais apropriada naquela situação. E pedi: “se não melhorar, me procure na segunda-feira.”
A segunda-feira passou e Silvana não procurou, mas já havia orientado o ACS a saber como estava Clarinha e Silvana.
Elas estavam bem. As assaduras não existiam mais.
E o que foi que fiz que a médica não fez?
Fiz uma CONSULTA DE ENFERMAGEM e baseado nas evidencia discuti um tratamento possível com Silvana. Discutir uma terapeutica possível é mais importante que prescrever. Isso faz muita diferença.
Mas não foi isso que a médica fez nas duas oportunidades em que Silvana levou sua filha na unidade de saúde?
Ao menos deveria ter sido isso, mas não sei.  Acho que o grande problema é que a médica que trabalhava na Unidade não utilizava nenhuma forma de tratamento que não fosse o medicamentosa. E esta nem sempre é eficaz.
Existem muitas formas terapêuticas. Infelizmente grande parte dos médicos e até da Enferamgem não acreditam nelas ou não acreditam que as pessoas são capazes de segui-las ou simplesmente esqueceram como são.
Por conta disto ricas experiências estão se perdendo. Ouso dizer que o saber médico, alimentando por saberes diversos e históricos estão sendo abandonados. No lugar destes aplica-se o saber farmacológico apenas.
A enfermagem, ao menos desde a revolução industrial, tem estado ao lado da Medicina. Para ser sincero tem estado à sombra da medicina. Essa condição tem se alterado de forma acelerado a partir da criação do SUS. O ATO MÉDICO é uma reação natural a esse desprendimento.
Por isso preocupa-me essa discussão: A ENFERMAGEM DEVE OU NÃO FAZER PRESCRIÇÕES MEDICAMENTOSAS?
A questão não é se pode, mas sim se deve. Penso que não deveria. Não vejo como o poder de prescrever medicamentos pode ser benéfico a nossa profissão. Existem muitas formas de tratamento. A enfermagem, por não ter o poder de medicar como o MÉDICO, conhece e utiliza muitos. E será que continuará conhecendo e utilizando quando se puder fazer prescrições ou se puder ficar quebrando o galho nos lugares onde os Médico não querem trabalhar?
O poder dos laboratórios farmacêuticos é muito grande. A enfermagem vai virar alvo deles, assim como são os médicos hoje. As escolas vão investir mais em ensinar farmacologia e menos em cuidados. Abandonarão rapidamente todos os outros ensinamentos, sobretudo os baseados no saber que é da Enfermagem, que hoje já é bastante negligenciado.
Diagnosticar doenças e prescrever  medicações alopáticas é e deve continuar sendo exclusividade do Médico. Isso para o bem da própria enfermagem.
No caso de Clarinha a situação era muito simples. Resolveu-se apenas com banho de luz. O problema dela era da competência da Enfermagem resolver. Era do médico também, mas, pela constituição da profissão, acredito que a Enfermagem tinha mais condições de resolver este caso. 
A Enfermagem, até por não estar em sua competência prescrever medicações tem possibilidades terapêuticas maiores do que os médicos para um grande número de problemas. O que quer dizer que sua terapêutica pode ser mais simples, mais barata e em muitos casos mais eficiente.
Na estratégia Saúde da Família os profissionais deveriam trabalhar em equipe. Isso não acontece de fato. Hoje há muito mais disputa que colaboração. Seja como for, esse episódio, entre tantos outros que acontece no dia-a-dia da Enfermagem, serve para demonstrar um pouco da diferença entre um Médico e um Enfermeiro e quais as possibilidades terapêuticas de cada um. No final o que importa mesmo é resolver e/ou contribuir para resolução da situação com a pessoa que demanda cuidado.

REFERENCIAS
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, Ética do Humano - Compaixão Pela Terra. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

PRADO, Ernande Valentin; SANTOS, Adilson Lopes; CUBAS, Marcia Regina. Educação em saúde: utilizando rádio como estratégia. Curitiba: Editora CRV, 2009.

SANTOS;, Á. D. S.; MIRANDA, S. M. R. C. D. A enfermagem na gestão em atenção primária à saúde. 1. Barueri-SP: Manole, 2007. 

WALDOW, Vera Regina. Bases e princípios do conhecimento e da arte da Enfermagem. Petrópolis: Vozes, 2008.

Comentários

7I4G0 disse…
Adorei o exemplo relatado, é bastante esclarecedor e revelador, principalmente aos estudantes de enfermagem (como eu).
Percebe-se a eficacia de um atendimento prestado a partir de princípios holísticos e sem basear-se
exclusivamente de ações medicamentosas como meio curativo.
E no momento que os profissionais de Enfermagem associarem o medicamento como "ferramenta de poder" terá se descaracterizado todo os princípios e essência da profissão (Enfermagem).
Pode significar um retrocesso evolutivo na autonomia da Enfermagem e mais uma vez estaremos "a sombra da medicina".


Tiago Carvalho. I° Período - Faculdade AGES.

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