AS ENFERMEIRAS OBESTRETRIZES TAMBÉM FAZ MÁGICA- TRES DIAS AO LADO DELAS E DELES

Quando cheguei ao aeroporto uma simpática recepcionista perguntou se poderia esperar só um minuto que outras pessoas já estavam chegando. Quando entrei na van que faria o translado entre o aeroporto e o hotel percebi que todos se conheciam. Que o único estranho era eu.
Em encontros de educação popular ou na realização da Tenda Paulo Freire em outros eventos, como o COBEON – Congressos Brasileiros de enfermagem obstétrica e neonatal - sempre encontro camaradas do movimento.  Mas desta vez foi diferente. Meu colega de mesa (Eymard Vasconcelos) ainda não havia chegado e fiquei me sentindo sozinho por um bom tempo.
Na abertura também não encontrei nenhum conhecido. E ninguém me conhecia. Então fui visitar o local onde aconteceria a Tenda Paulo Freire. Ela ocupava um espaço central – em frente a um auditório. Quase  na recepção. Todos do congresso teriam que passar por ali em um momento ou outro. Porém não me reconheci e nem reconheci o Movimento de Educação Popular no espaço físico. Não era a TENDA tradicional que a Rede de Educação Popular e Saúde, a ANEPS, a ANEPOP e os demais movimentos sempre fazem. Não havia a decoração tradicional com as chitas, os cartazes dos movimentos, as músicas, os tambores do Jair, o triangulam do Oris, a poesia de Elias e Ray Lima, o cabelo cumprido de Osvaldo, o Sorriso de Theresa. 
Mas era a Tenda sem dúvida nenhuma. Achei estranho e fiquei desconfiado: como pode uma Tenda sem Simone Leite, sem Vera Dantas, sem Pedro? Como pode uma Tenda sem a construção coletiva da programação dos movimentos tradicionais de educação popular e saúde. Como pode um espaço de cuidado organizado (quase a parte da tenda) e por uma instituição hospitalar (Hospital Sofia Feldman)? Sem benzedeiras, sem massoterapia? Mas estava lá. Não havia dúvida.
Passei o primeiro dia bem deslocado. Sem saber qual meu lugar. Com quem falar, onde me manifestar. Não havia programação na Tenda Paulo Freire. Não fui chamado para decoração. Não reconheci os movimentos populares. As pessoas que decoravam não me conheciam e nem eu as conhecia. Também não sabiam dizer se ali era ou não a Tenda ou se era a tenda ao lado. Na opinião das decoradoras (pareciam estudantes) o elegante e lindíssimo espaço de cuidado organizado pelo pessoal do Sofia Feldman é que era a Tenda. Fiquei mais desconfiado ainda.
Ai, para me distrair, entrei em um auditório. Acontecia uma oficina do Grupo Hanami de Santa Catarina. Nunca tinha ouvido falar. Enfermeiras que se dedicam a realizar parto domiciliar. É um grupo particular não ligado ao estado e por vezes até discriminadas. Mas com uma história lindíssima de humanização do nascimento, de empoderação da mulher para que ela possa decidir como quer trazer seu filho ao mundo.
Não sei se algumas destas enfermeiras já haviam ouvido falar em educação popular. Assim como eu nunca havia ouvido falar do trabalho delas. Mas vi claramente muitos ponto de encontro e poucas contradições com o trabalho que os movimentos de Educação Popular em Saúde está fazendo.
Sempre achei mágico o momento do nascimento. Isso desde que assisti (em estágio) o primeiro parto natural em maternidade. Depois veio Alice pelas mãos de uma valente parteira em Rio Negro – Dona Cleuza. Para ver a história acessar o vídeo: Alice Nasceu. Aí percebi que além de bonito era Mágico. Quando conheci Dona Josefa da Guia percebi que a Parteira faz mágica. Mas também tinha certeza que essa mágica só elas são capazes de fazer. Que uma enfermeira com sua ciência e sua técnica jamais poderiam fazer essa mágica.
Mas o que vi naquela primeira oficina foi que algumas enfermeiras pareciam também conseguir fazer essa mágica tão importante. Mas ainda não estava convencido.
A noite chegou Eymard. Conversamos. Fiquei me sentindo um pouco mais localizado.
No dia seguinte fomos para nossa mesa. Lá conhecemos Maria Futuro (da ONG amigas do peito). Uma educadora que já havia escutado em algum lugar falar de educação Popular, mas que não fazia parte do movimento. Além de educadora (das boas) já havia sido médica, mas parou. É poeta, mas não admite e ainda por cima escreve histórias infantis, faz declaração de amor ao marido e publicas livros sem palavras.
A mesa foi ótima. Futura é linda e mágica. Com uma discussão linda. Todo mundo conhecia Eymard Vasconcelos (pop star da EPS).
Sai da sala achando que estava me localizando. E ainda fiquei pensando outra coisa muito óbvia (e por isso não via): tem gente pra caramba fazendo educação popular por aí sem saber que faz ou sem se identificar como tal.
Há tarde haveria uma mesa com a participação de uma Parteira tradicional de Caruaru. Fui lá ver. Mas antes participei de uma ronda de discussão na Tenda. Quem coordenou foi Mary Galvão da Bahia. Que também não conhecia e nem ela eu. Na roda muita gente se espremendo. Até o pessoa da empresa organizadora do evento se espremiam para ver uma dola do Hospital Sofia Feldman falar. Foi muito legal. Mas ainda sentia falta dos movimentos, dos Agentes Comunitários de Saúde. Dos rostos conhecidos. E percebi que essa Tenda tinha uma diferença das outras. Era uma Tenda com a presença forte das ONG e da Academia. Tinha a roda, as pessoas falando em pé de igualdade, contando vivencias, mas tinha também uma característica muito forte da academia: uma objetividade e uma necessidade de fechar e justificar teoricamente todas as falas.
Essa foi uma característica muito forte das rodas que vi e participei. Menos a que eu mesmo fui coordenador. Não fiz melhor que os outros. Mas procurei falar pouco, intervir pouco, não explicar nada e deixar as falas fluir. (coisa muito difícil para um sujeito que fala tanto quanto eu). E percebi que essa falta de preocupação em chegar a algum lugar determinado pelo mediador pode e foi muito produtivo. Que é entregar o destino da roda na mão e na boca de quem dela faz parte. Isso é reconhecer a igualdade dos saberes. Coisa que é muito difícil para quem, como eu, está na academia ou no serviço. Ao fim as pessoas ali reunidas, que trocaram vivencias linda, saíram com a ideia de reunir estas historias em um livro aos moldes do nosso: Vivencias de educação popular em atenção primária à saúde.
Outra coisa que percebi: a organização do evento estava muito consciente da Tenda. Varias pessoas da diretoria da ABENFO estiveram lá e participaram das discussões. Ela era mencionada nas conferencias, na abertura, no encerramento, na avaliação. Não foi realizada a parti ou pelo desejo e esforço individual de algumas abnegadas. Ela foi desejada pela  própria diretoria da ABENFO.  Não era alternativa. Era mais uma possibilidade de discussão, como uma mesa, uma palestra ou uma exposição.
Há tarde fui para sala de discussão onde havia uma parteira tradicional (Fernanda – Associação de Parteiras de Caruaru). E aí percebi uma coisa que não esperava. Os depoimentos das enfermeiras, tanto da plateia quanto da mesa, eram de que não tinha aprendido nada de muito útil sobre parto na faculdade, mas com as parteiras tradicionais. As enfermeiras obstetrizes valorizavam e até idolatravam as parteiras tradicionais. Percebi que são, ao menos aquelas presentes no encontro, aliadas na luta pelo reconhecimento delas ou ao menos potenciais aliadas.
De volta à tenda ouvi muitas outras falar neste mesmo sentido. Eram enfermeiras obstetrizes de todos os cantos do País falando a mesma coisa. Contanto histórias lindas. Durante todo evento não vi uma profissional diplomada falar nada contra as parteiras ou que as desabonasse. Ouvi de alguns palestrantes posturas contraditórias, tais como: “a parteira é importante lá onde o profissional não chega ou não quer trabalhar.” Que as parteiras devem ser “treinadas” para ter mais higiene, compreender melhor a fisiologia. Mas isto geralmente era fala de representantes do estado.
Nestes três dias o que percebi foi que a enfermagem obstétrica, como uma categoria de especialistas dentro da Enfermagem, são especiais (ao menos as que estavam no encontro). Falam uma língua muito próxima a que se fala na Educação Popular. Há muitos pontos de convergências e vivências carregadas de significado de luta pela humanização e empoderamento da mulher, do casal e da família.
No último dia, conversei alguns minutos com Dr. Herdy, Presidente da ABENFO Nacional, sobre essa proximidade percebida entre a Educação Popular e as Enfermeiras da ABENFO. Ele concordou e disse que deseja muito realizar essa aproximação. Levar a Educação Popular para próximo da Enfermagem obstétrica.
Particularmente acredito que essa aproximação é benéfica para todos, principalmente para o sujeito que depende dos serviços e dos profissionais de saúde. Todos estes profissionais lindos podem ser aliados na implantação e difusão da Política Nacional de Educação Popular e Saúde – PNEPS.
A Tenda Paulo Freire realizada no COBEON não foi a Tenda que os Movimentos realizariam. Foi bem diferente. Mas não fugiu aos princípios essenciais. Foi linda, como todas as Tendas. O resultado foi positivo para todos que participaram e acredito que para todos que passaram em frente e a viram. Se não foi orgânica, foi ao menos muito sincera em seus propósitos e resultados.
A ideia de TENDA PAULO FREIRE cresceu. Ganhou o mundo. É um filho que não estamos conseguindo acompanhar os passos. Ele esta indo sozinho por caminhos que não vamos conseguir acompanhar. Importante é saber que os filhos são mesmo criados para ser independentes e ganhar o mundo.  Só podemos cuidar para que não se perca muito neste caminho.

Comentários

100% TEEN disse…
Amigo, que orgulho, parabéns!!!
Abraços de quem te admira muito,
Vanessa Taboza
Anônimo disse…
Oh Ernande querido , fico feliz sempre que vejo um email seu, penso lá vem novidades. E é isso, vc realmente é um desbravador e incansável em busca e repasse de conhecimento. Como foi bom, ter te conhecido. Parabéns colega, vc é um orgulho para a classe.

Eliete Maggioni

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