VIOLENCIA E SAÚDE

Esta semana uma aluna procurou-me pedindo indicação de leitura sobre violência no campo da Saúde. Aí lembrei-me deste texto. Foi escrito durante os ataques do PCC - Primeiro Comando da Capital, a políticia paulista. Na época morava em Curitiba. Este texto faz referência a um outro que escrevi para um Programa de Rádio sobre violência.
É lamentável como o tempo passa e o texto continua falando da realidade.


VIOLÊNCIA ATRAI VIOLÊNCIA

“Na multidão enfurecida
Orgulhosa de não ter vontade de gritar, nada para dizer
A violência travestida faz seu tro troa” H. G.

O tema violência está mesmo na boca do povo, o que em si não é ruim, pois as soluções verdadeiras para este e outros problemas nacionais só nascerão de uma ampla discussão que envolva todas as esferas da sociedade, e não apenas meia dúzia de “iluminados” ou os ditos “representantes do povo”.

É inegável que cada classe tem seus interesses, prioridades e “soluções” para este problema tão complexo. O senso comum diz que é “matando bandido” que se resolve a questão da segurança. Incluindo aqui o senso comum de alguns deputados, delegados, juristas, professores, jornalistas, etc. Outros ainda acreditam que é construindo “burgos[1]”, contratando segurança particular, blindando carros ou distribuindo esmolas pontuais[2], que se resolve o problema da segurança.

Estes dias, indo de ônibus para uma famosa Universidade de Curitiba, tive que ouvir o debate de dois senhores. Ambos defendiam o Esquadrão da Morte como forma de resolver o problema da segurança. Um deles ainda disse que nos anos 70 e 80 o governo era mais democrático e, naquele clima de liberdade, eles, os militares, pagavam para a policia matar bandido, procedimento que deveria acontecer hoje em dia, segundo eles.

Tive vontade de intervir na conversa deles, argumentar que já temos pena de morte no Brasil há muito tempo e que essa pena atinge pobre sistematicamente e esporadicamente (mas muito esporadicamente) alguns abastados; tive vontade de dizer que os militares podiam ser qualquer coisa, e eram, menos democráticos, mas contive meu ímpeto. Pensei: esses senhores com caras de cansados devem se informar no jornal nacional, nos programas policiais de rádio ou TV, ver a novela e dormir para agüentar o tranco no dia seguinte.

Aí chego à Universidade e logo de cara encontro uma roda de estudantes debatendo o mesmo assunto. E qual a solução proposta por eles e defendida por todos os membros do debate? Endurecer as leis, dar autonomia para policia invadir favela e “matar suspeitos”.

Em discussão na internet com uma estudante de direito, que tem como meta concluir seu curso e ingressar na carreia policial como delegada, ela disse que "Preto parado é suspeito, correndo é bandido".

Devo ser condescendente com estudantes universitários como fui com os senhores no ônibus? Têm direitos estudantes de Engenharia, Enfermagem, Letras, Biologia e Direito de ter a mesma visão sobre violência que tem pessoas cuja única fonte de informação são os telejornais? Quando pessoas de diferentes formações têm as mesmas opiniões quer dizer o que: a opinião foi rebaixada ou elevada? Ou estão todos certos e eu que não consigo ver que a violência se resolve com mais violência?

Sinceramente é difícil ver solução para o País quando os “ditos formadores de opinião”, os mais bem preparados, do ponto de vista da educação formal, pensam como pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades de estudo e de informações que eles. Ou nossas universidades não preparam os estudantes para ver ao menos um palmo além do próprio nariz ou sou eu que estou errado por não conseguir ver que violência é resolvida com mais violência?

Na semana em que a violência tomou conta do estado de São Paulo, o Governador do Estado, Cláudio Lembo, do PFL, partido tradicionalmente ligado ao capitalismo e as elites econômicas, atacou a burguesia. Afirmou o governador que a culpa pelo estado em que chegamos é da elite branca reacionária e que para resolver esse problema ela deve abrir as bolsas.

Quando um governador do PFL chega ao ponto de atacar a Burguesia é porque chegamos definitivamente ao fundo do poço.

No livro: ROTA 66 - A POLÍCIA QUE MATA, Caco Barcelos pesquisou, de 1970 até 1992, 3500 assassinatos cometidos pela Rota de São Paulo, destas, apenas 32% dos mortos tinham algum tipo de passagem pela polícia, os demais eram trabalhadores ou desempregados ou praticaram pequenos delitos, ou seja, 68% dos assassinados não mereciam a pena máxima imposta pela ROTA[3].

Em todos esses crimes a rota alegou legitima defesa e que os assassinados atiraram primeiro. As investigações mostraram que muitos morreram pelas costas, desarmados ou com armas plantadas pela polícia após a morte.

Com duas ou três exceções, todos os PMs envolvidos em crimes foram inocentados e continuaram matando (inclusive um deles é deputado hoje). Nenhuma investigação da justiça militar era levada a sério e todos os inocentes mortos acabavam “virando” bandidos nas investigações, tudo para justificar a matança e a pena de morte implantada e conduzida pelas autoridades de segurança do estado de São Paulo. Os mesmos procedimentos violentos da ROTA de São Paulo são visto em todos ou quase todos os estados brasileiros. Se isso não é a pena de morte então não sei o que é essa pena. Mas se a pena de morte já vigora no Brasil há tanto tempo e não conseguiu resolver nada, por que ainda tem milhares de pessoas defendendo ela como solução para violência?

A POLÍCIA É PARA MATAR OU PRENDER?

Em São Paulo, explicitamente e em outras cidades (talvez) implicitamente a POLÍCIA MILITAR é mais que um esquadrão da Morte. E essa reação contra os policiais, vista em São Paulo recentemente, por parte da bandidagem do PCC, é conseqüência direta da violência praticada pela policia no dia-a-dia.

Durante a crise de segurança em São Paulo, o comandante da PM falou em Rede Nacional que bandido em confronto com a PM vai morrer. O comandante afirmou que a PM matou suspeitos. As autoridades policiais falam isso abertamente, como se essa fosse à função da policia: matar, e matar suspeito. E o pior é que essas declarações não escandalizam ninguém.

Sinceramente não acredito que haja solução para violência enquanto a FUNÇÃO DA POLÍCIA FOR MATAR e não prender, investigar, averiguar e enquanto a polícia só servir para “matar” pobres. Mas a polícia só vai deixar de servir para o que serve hoje e a violência só vai diminuir quando todos se envolverem com o assunto da maneira certa, mesmo que essa maneira dê mais trabalho e leve mais tempo.

Abaixo veja um texto produzido para o programa de radio SAÚDE COMUNITÁRIA. O texto é de 2004, mas mantem-se atualizado.


VIOLÊNCIA

Olá. O nosso programa de hoje é sobre violência. Seja a violência: agressão física, abuso sexual, violência psicológica e violência institucional, que é a violência causada pelo estado: a polícia, a escola, os órgãos da saúde.

Muita gente ainda não sabe ou sabe mais ainda não se deu conta de que a violência hoje em dia configura uma verdadeira epidemia. Suas conseqüências são gravíssimas. E configuram um problema de saúde pública, e como tal mais um tema para nosso programa.

Estudos comprovam que existe uma relação muito estreita entre a situação social em que vive a pessoa e a violência do seu meio. Não que todo pobre vá sair roubando e matando. Más tudo a sua volta lhe empurra para o crime. E não é só pela falta de comida, roupa, escola e outros bens e serviços. Mas também pela falta de perspectivas no futuro. Por isso os jovens são os mais afetados pela violência cotidiana. Sem estudo, sem emprego, sem poder sonhar, pois como afirmou Arnaldo Antunes: “a gente não quer só comida...a gente quer comida diversão e arte...a gente não quer só comer a gente quer comer e fazer amor...a gente não quer só comida a gente quer comida e felicidade”.

As causas da violência são muitas, mas com certeza o fato de alguns terem muito e outros muito pouco tem uma enorme contribuição. Estamos vivendo hoje uma guerra entre os ricos e os pobres: os riscos são os patrões, que submetem os empregados a condições indignas de trabalhos e salários humilhantes. De outro lado estão aqueles que já se cansaram de trabalhar por tão pouco ou que nem empregos encontram e pensam estar fazendo justiça com as próprias mãos. Seja roubando, seqüestrando ou se matando mutuamente.

Mas não é só a miséria que gera a violência. A impunidade também: quem não se lembra dos meninos ricos que puseram fogo no Índio Galdino em uma rua de Brasília? Do casal de namorados que assassinou os pais em São Paulo? Ou dos políticos que desviam dinheiro do INSS?

Está mais do que comprovado que não é só a policia que vai controlar a violência. Mais do que policia na rua a cidade e o país precisa é de escolas, unidades de saúde, praças, cinemas, teatros, empregos para todos e salários dignos. A cidade precisa também acabar com a impunidade. Precisa também por rico que desrespeita as leis na cadeia e não só pobres.

Mas será que podemos ajudar a controlar a violência?

A gente precisa conversar com o vizinho, se unir em associações de moradores, ir às reuniões do bairro, da escola, da igreja, do conselho de segurança, do conselho de saúde. A gente precisa parar de rir da desgraça alheia nos programas de auditório. A gente tem que parar de achar divertido ver filmes onde se mata de forma gratuita com tiros e explosões.

Nos não podemos tolerar a violência das autoridades. Não podemos tolerar que o estatuto da criança e do adolescente e o estatuto do idoso sejam desrespeitados. Não podemos admitir que uma mulher seja culpada por sofrer um estupro. Que presos comam comida azeda e durmam em pé. Não podemos achar normal a policia atirar primeiro e perguntar depois. Não podemos acreditar que é vontade de Deus que pessoas passem fome enquanto outras tenham dinheiro para esbanjar. Não podemos parar de denunciar que existem crianças fora da escola trabalhando em troca de um prato de comida. Temos que nos indignar com a existência de trabalho escravo em algumas regiões do país. Temos que dar resposta para todos estes problemas, pois toda essa violência acaba contaminando a comunidade e se voltando contra nós.

A gente tem que descobrir juntos como contribuir para controlar a violência. Como fazer nossos amigos e vizinhos pararem de se agredir. Mas não é fácil, por isso temos que pensar todos juntos. Sugerir e cobrar das autoridades para que eles implementem nossas idéias e não apenas que nos ousam, como é comum acontecer.

A única maneira de combater a violência de verdade é conquistando cidadania.

Fontes:

Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência. Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: http://www.conselho.saude.gov.br/comissao/acidentes_violencias2.htm Acessado em: 23 de nov. de 2003.

MINAYO, Maria C. de S. Violência de saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. Disponível em: http://www.coc.fiocruz.br/hscience/vo14n3/art_cecilia.html Acessado em: 23 de nov. de 2003.

FAGUNDEZ, Paulo R. A. Raízes da violência. Disponível em: http://www.roney.floripa.com.br/docs/raizes.doc acessado em: 23 de nov. de 2003.

BARCELOS, Caco. Rota 66, a Polícia que Mata. São Paulo Record.

[1] Hoje em dia os Burgos da idade média podem ser visto em diversos bairros das grandes cidades em forma de condôminos fechados. A aparência mudou, as fachadas são bonitas e os nomes na língua do “dono”, mas continuam servidos para segregar quem não é de dentro, quem é indesejado.

[2] É inegável que as escolas profissionalizantes, Programa Bolsa Família, Casas Populares, ONGs prestando assistência em favelas e outras áreas carentes, diminuem a violência, aumenta a segurança e ainda oferece oportunidades para algumas pessoas sonhar em mudar seu destino de miséria e fracasso. Mas tudo isso é muito pouco e não passa de medidas paliativas que mais servem para adiar o caos inevitável.

[3] ROTA – Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar. A ROTA é uma unidade de Elite da PM Paulista.

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