DIA DANADO DE BOM (PELO MENOS PARA O CUIDADOR)


O trabalho em atenção básica às vezes pode ser muito monótono, mas isso depende de quem olha e como olha. Mas é verdade que nem sempre nos sentimos fazendo a diferença na vida das pessoas como gostaríamos.

Essa segunda-feira começou bem.

A agenda hoje era na delegacia. Todos os meses realizamos atendimento na delegacia de polícia de Rio Negro. Atendemos os preso e em seguida os profissionais da delegacia e os policiais militares. Quase sempre e quase todos eles estão, no mínimo, com a pressão alta, mas hoje não foi um dia comum.

O primeiro preso a ser atendido foi um rapaz de 31 anos, nordestino de origem, mas no estado há mais de 10 anos. Sozinho, só com a roupa do corpo. Não sabia o numero de telefone dos parentes. Mas ainda sabia do endereço. Perguntei se queria enviar uma carta, disse não saber escrever. Disse que escreveria, ele ditou a carta. Aproveitou para solicitar roupas, material de higiene pessoal e para cortar o cabelo.

Segundo preso: um rapaz de 19 anos. Morador de outra cidade também. Saiu de c asa aos 11 anos e nunca mais voltou. Sem contato com a família desde essa época. Perguntado se tinha o telefone da família disse não, mas disse saber o endereço de uma tia. Perguntei se queria enviar uma carta disse que sim. Entreguei papel e caneta ele disse não saber escrever. Então ditou a carta. Perguntado se precisava de mais alguma coisa disse que de roupas, toalha, sabonete, sabão, escova de dentes e uma calça cumprida para ir ao fórum depor.

Neste dia havia 7 detidos. Não fiquei sabendo por que estavam presos. Nunca pergunto, a menos que possa ter alguma relação com suas queixas. Deixo por conta deles contar ou não. Mas prefiro não saber. Acho que isso pode dificultar os cuidados, a depender do crime ou delito.

O que é mais evidente é a pobreza deles, a carência, as histórias de abandono. Esse garoto de 19 anos disse que saiu de casa aos 11 anos, não perguntei por que, por mais curioso que estivesse, e passou a trabalhar em fazenda, sempre em trabalhos braçais e não pode estudar. Duvido que isso seja mentira. Para o futuro quer tirar os documentos, arrumar um emprego e melhorar de vida
Nada grave neste dia. Dores de cabeça, dores nas costas. Fizeram algumas reivindicações simples e fáceis de resolver com nossos poucos recursos. Já de volta a cela perguntei quem ali sabia ler e escrever o suficiente para ensinar quem não sabia. 3 ergueram as mãos. Perguntei se eles poderiam ensinar: solicitaram caderno, lápis, caneta e borracha. Desconfiei que não pudesse entrar canetas e lápis na cela, mas um funcionário disse que tudo bem.

Ainda não dá para saber se vão ensinar e aprender a ler e escrever. Talvez não consigamos acompanhar, pois as transferências são constantes. Na delegacia de Rio Negro eles ficam pouco tempo. Mas vai que desta cela um futuro melhor esteja nascendo.

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